Paz e Bem!
Nas grandes cidades as
empregadas domésticas estrangeiras são cada vez mais frequentemente segundas
mães e, com a concretude do amor e do testemunho, transmitem a fé às crianças.
E talvez os pais, ocupados com numerosos compromissos de trabalho, tenham que
redescobrir a beleza do seu papel na transmissão da fé aos seus filhos, sem
esperar o catecismo na paróquia ou alguma esporádica participação na missa.
O Papa convidou de novo a ser
testemunhas do Evangelho para suscitar a curiosidade em quantos não creem, e
assim começar a obra do Espírito Santo, dirigindo um pensamento e uma oração
especiais por todos os pais. E a sugestão a não transmitir a fé fazendo proselitismo
nem procurando apoio como para uma seleção de futebol.
“No trecho da carta de São Paulo
aos Coríntios fala-se da transmissão da fé”, observou Francisco referindo-se à
primeira leitura (15, 1-8), repetindo as palavras escritas pelo apóstolo: “Eu
transmiti a vós antes de tudo o que também recebi”. E é precisamente assim,
explicou o Papa, que “se deve transmitir a fé: ofereço o que recebi, e Paulo
recita o que recebeu”. Mas “a fé não é só a recitação do Credo: a fé exprime-se
no Credo, mas é algo mais”. Pois se “tudo aquilo em que cremos está no Credo, a
atitude de fé vai além, é outra coisa, maior”.
De resto, insistiu o Pontífice, “transmitir
a fé não significa dar informações, mas fundar um coração na fé em Jesus Cristo”.
Por isso, “transmitir a fé não se pode fazer mecanicamente”, dizendo: “Toma
este livrete, estuda-o e depois eu batizo-te”. “Não”, insistiu, “é outro o
caminho para transmitir a fé: é comunicar o que nós recebemos”.
É precisamente “este o desafio
do cristão: ser fecundo na transmissão da fé”, afirmou. Mas é “também o desafio
da Igreja: ser mãe fecunda, dar à luz filhos na fé”, acrescentou, explicando
que “este não é um exagero: é o que dizemos na cerimônia do Batismo”. Portanto,
eis “a Igreja que dá à luz, que é mãe”. E nesta perspectiva Francisco sugeriu “duas
pistas da transmissão da fé”.
“A Igreja é mãe se transmite a
fé no amor, sempre com ar de amor”, disse o Papa, recordando que “não se pode
transmitir a fé sem esta característica materna”. A ponto que “alguém escreveu
elegantemente” que “a fé não é concedida, mas dada à luz”. E é “a Igreja que dá
à luz a fé dentro de nós: ou seja, a transmissão da fé caracteriza-se sempre
com o amor da mãe Igreja, dá-se em casa”.
O próprio São Paulo, prosseguiu
o Papa, “lembra a Timóteo, num bonito trecho: ‘Recordo a fé da tua mãe e da tua
avó’”. Portanto, explicou Francisco, “é a fé que deve ser transmitida de
geração em geração, como um dom”. Mas sempre “no amor, no amor da família: é
ali que se transmite a fé, não só com palavras, mas com amor, carícias e
ternura”.
A este propósito, o Pontífice
voltou a propor também o episódio narrado no livro dos Macabeus, “quando aquela
mulher encorajava os sete filhos face ao martírio: no texto diz-se que por duas
vezes aquela mulher falou aos filhos na língua materna, dava-lhes força na fé,
mas na língua materna”. Pois “a verdadeira fé se transmite sempre em dialeto: o
dialeto do amor, da família, da casa, aquele que se capta no ar”. E “talvez a
língua seja a mesma, mas ali há algo de dialeto, e ali a fé transmite-se maternalmente”.
Em síntese, explicou o Papa, se
a “primeira atitude para a transmissão da fé é o amor, outra atitude é o testemunho”.
Na realidade, afirmou, “transmitir a fé não significa fazer proselitismo: é
outra coisa, é maior ainda”. Sem dúvida, prosseguiu, “não significa procurar
pessoas que ajudem esta seleção de futebol, este clube, este centro cultural:
isto está bem, mas para a fé não serve o proselitismo”. E Bento XVI disse: “A
Igreja cresce não por proselitismo mas por atração”. Com efeito, afirmou
Francisco, “a fé transmite-se por atração, ou seja, por testemunho”. E,
acrescentou, “hoje celebramos a festa de dois apóstolos, Filipe e Tiago, que
deram a vida, transmitiram a fé mediante o testemunho”. Portanto, devemos
testemunhar a fé.
A este propósito, o Papa quis
compartilhar uma sua recordação pessoal: “Certa vez numa das jornadas da
juventude, acho que foi em Cracóvia, num almoço com os jovens, um deles
perguntou-me: ‘Tenho um amigo que é ateu, mas é muito bom e eu gosto dele. O
que devo dizer-lhe para que se converta?’”. Eis a resposta franca do Papa: “É
melhor que nada lhe digas, age. E que ele se questione: por que este homem se
comporta assim? Por que este homem faz assim, quando é normal fazer o
contrário? Dá testemunho!”.
É um fato, explicou o Pontífice,
que “o testemunho provoca a curiosidade no coração do outro, e o Espírito Santo
pega nessa curiosidade” e começa a trabalhar “dentro”. Assim, “a Igreja crê por
atração, cresce por atração, e a transmissão da fé verifica-se com o testemunho,
até ao martírio”. Precisamente “quando se vê esta coerência de vida com o que
nós dizemos, surge sempre a curiosidade: ‘Mas por que ele vive assim? Por que
leva uma vida de serviço ao próximo?’”. E ”essa curiosidade é a semente que o
Espírito Santo pega e leva em frente; e a transmissão da fé torna-nos justos,
justifica-nos”.
Portanto, afirmou o Papa, “a fé
justifica-nos, e na sua transmissão nós fazemos verdadeira justiça aos outros”.
No fundo, “é simples” o que Paulo escreve aos Coríntios: “Eu transmiti a vós
antes de tudo o que também recebi”. As palavras do apóstolo são claras: “Eu
transmiti o que recebi”. Recordam “a transmissão da fé no amor, em casa”. Mas,
relevou Francisco, “muitas vezes em casa ouvimos dizer: ‘Quando frequentar o
catecismo aprenderá’”. E “muitas vezes são as empregadas domésticas, mulheres
de fé, que transmitem a fé às crianças: até as empregadas domésticas
estrangeiras”. Talvez os “pais trabalhem; talvez vão à missa uma, duas, três,
quatro vezes por ano, talvez vão à missa de vez em quando, são católicos, mas
não sabem transmitir a fé; são as empregadas domésticas que a transmitem”.
E este, afirmou o Pontífice, “é
um fato que se vê todos os dias nas grandes cidades e até aqui na Itália”. A fé
transmite-se “com o amor e a empregada doméstica é aquela que acaricia, que
cuida, que faz crescer e que ajuda a mãe, é como uma segunda mãe”. E “isto
significa transmitir a fé no amor, no testemunho”, porque não se trata de “transmitir
uma filosofia”, mas de “transmitir algo que te justifica, que te torna justo
aos olhos de Deus”.
Por fim, o Papa convidou a pedir
“ao Senhor por tantos pais para que saibam cuidar disto, pois transmitir a fé é
algo grandioso, muito bonito”. E pedir “por tantos cristãos a fim de que o
Senhor lhes conceda a todos a força de dar testemunho e, com o testemunho,
semear curiosidade; e o Espírito Santo pega naquela curiosidade e abre o
coração para receber a fé”.
PAPA
FRANCISCO, MEDITAÇÕES MATUTINAS NA SANTA MISSA CELEBRADA NA CAPELA DA CASA
SANTA MARTA, Como se transmite a fé, Quinta-feira,
3 de maio de 2018.
Publicado
no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 19 de 10 de maio de 2018