NA FORMA DE «MOTU PRÓPRIO»
DO SUPREMO PONTÍFICE
FRANCISCO
Ad theologiam promovem
1. Para promover a teologia no futuro, não se
pode limitar-se a propor de forma abstrata fórmulas e esquemas do passado.
Chamada a interpretar profeticamente o presente e a vislumbrar novos
itinerários para o futuro, à luz da Revelação, a teologia terá de enfrentar
profundas transformações culturais, consciente de que: «O que vivemos não é
simplesmente uma época de mudanças, mas é a da época" (Discurso à Cúria
Romana de 21 de dezembro de 2013).
2. A Pontifícia Academia de Teologia, fundada no
início do século XVIII sob os auspícios de Clemente, coloca a teologia ao
serviço da Igreja e do mundo, modificando a sua estrutura quando necessário e
ampliando as suas finalidades: desde um lugar inicial de formação teológica de
eclesiásticos num contexto em que outras instituições careciam e eram
inadequadas para esse fim, a um grupo de estudiosos chamados a investigar e
aprofundar temas teológicos de particular relevância. A atualização dos
Estatutos, desejada pelos meus Predecessores, marcou e promoveu este processo:
pensemos nos Estatutos aprovados por Gregório XVI em 26 de agosto de 1838 e nos
aprovados por São João Paulo II com a Carta Apostólica Inter munera Academiarum
em 28 de janeiro de 1999.
3. Depois de quase cinco décadas, chegou o
momento de rever estas normas, para torná-las mais adequadas à missão que o
nosso tempo impõe à teologia. Uma Igreja sinodal, missionária e “em saída” só
pode corresponder a uma teologia “em saída”. Como escrevi na Carta ao
Grão-Chanceler da Universidade Católica da Argentina, dirigindo-me a
professores e estudantes de teologia: «Não se contentem com uma teologia de
mesa. Deixe que o seu lugar de reflexão sejam as fronteiras. […] Mesmo os bons
teólogos, como bons pastores, cheiram as pessoas e a rua e, com o seu reflexo,
derramam azeite e vinho nas feridas dos homens”. A abertura ao mundo, ao homem
na concretude da sua situação existencial, com os seus problemas, as suas
feridas, os seus desafios, as suas potencialidades, não pode, no entanto, ser
reduzida a uma atitude “tática”, adaptando extrinsecamente os conteúdos agora
cristalizados às novas situações, mas deve exortar a teologia a repensar
epistemologicamente e metodologicamente, como indica o Proem da constituição
apostólica Veritatis gaudium.
4. A reflexão teológica é, portanto, chamada a
uma viragem, a uma mudança de paradigma, a uma «corajosa revolução cultural»
(Carta Encíclica Laudato si', 114) que a compromete, antes de mais, a ser uma
teologia fundamentalmente contextual, capaz de ler e interpretar o Evangelho
nas condições em que vivem diariamente os homens e as mulheres, nos diferentes
ambientes geográficos, sociais e culturais e tendo como arquétipo a Encarnação
do Logos eterno, a sua entrada na cultura, na visão do mundo, na tradição
religião de um povo. A partir daqui, a teologia só pode desenvolver-se numa
cultura de diálogo e de encontro entre diferentes tradições e diferentes
conhecimentos, entre diferentes confissões cristãs e diferentes religiões,
comprometendo-se abertamente com todos, crentes e não crentes. A necessidade do
diálogo é, de facto, intrínseca ao ser humano e a toda a criação e é tarefa
peculiar da teologia descobrir «a marca trinitária que faz do cosmos em que
vivemos «uma teia de relações» em que «é próprio de todo ser vivo tende para
outra coisa"" (Constituição Apostólica Veritatis gaudium, Proem, 4a).
5. Esta dimensão relacional conota e define, do
ponto de vista epistêmico, o estatuto da teologia, que é levada não a fechar-se
na autorreferencialidade, o que leva ao isolamento e à insignificância, mas a
perceber-se inserida numa teia de relacionamentos, antes de tudo com outras
disciplinas e outros conhecimentos. É a abordagem da transdisciplinaridade, ou
seja, da interdisciplinaridade no sentido forte, distinta da
multidisciplinaridade, entendida como interdisciplinaridade no sentido fraco.
Este último certamente favorece uma melhor compreensão do objeto de estudo,
considerando-o sob múltiplos pontos de vista, mas que permanecem complementares
e separados. A transdisciplinaridade deveria, ao contrário, ser pensada «como a
colocação e a fermentação de todo o conhecimento no espaço de Luz e de Vida
oferecido pela Sabedoria que emana da Revelação de Deus» (Constituição
Apostólica Veritatis gaudium, Proem, 4c). Isto leva à árdua tarefa da teologia
de poder utilizar novas categorias desenvolvidas por outros saberes, para
penetrar e comunicar as verdades da fé e transmitir o ensinamento de Jesus nas
línguas de hoje, com originalidade e consciência crítica.
6. O diálogo com outras formas de conhecimento pressupõe
evidentemente o diálogo no seio da comunidade eclesial e a consciência da
dimensão sinodal e de comunhão essencial do fazer teológico: o teólogo não pode
deixar de experimentar em primeira mão a fraternidade e a comunhão, ao serviço
da evangelização e para chegar ao coração de todos. Como disse aos teólogos no
Discurso aos Membros da Comissão Teológica Internacional, de 24 de novembro de
2022: "A sinodalidade eclesial compromete, portanto, os teólogos a fazer
teologia de forma sinodal, promovendo entre eles a capacidade de ouvir,
dialogar, discernir e integrar a multiplicidade e variedade de pedidos e
contribuições”. Por isso, é importante que existam lugares, inclusive
institucionais, onde se possa viver e experimentar a colegialidade e a fraternidade
teológica.
7. Finalmente, a necessária atenção ao estatuto
científico da teologia não deve obscurecer a sua dimensão sapiencial, como já
afirmou claramente São Tomás de Aquino (cf. Summa theologiae I, q. 1, a. 6).
Por isso o Beato Antonio Rosmini considerava a teologia uma expressão sublime
da “caridade intelectual”, ao mesmo tempo que pedia que a razão crítica de todo
o conhecimento fosse orientada para a Ideia de Sabedoria. Ora, a Ideia de
Sabedoria estreita internamente a Verdade e a Caridade num “círculo sólido”, de
modo que é impossível conhecer a verdade sem praticar a caridade: «porque um
está no outro e nenhum dos dois fora do outro encontra. Portanto quem tem esta
Verdade tem consigo a Caridade que a cumpre, e quem tem esta Caridade tem a
Verdade cumprida” (ver Dos estudos do Autor, nn.100-111). A razão científica
deve alargar os seus limites em direção à sabedoria, para não se desumanizar e
empobrecer. Desta forma, a teologia pode contribuir para o debate atual de
“repensar o pensamento”, mostrando-se um verdadeiro conhecimento crítico como
conhecimento sapiencial, não abstrato e ideológico, mas espiritual,
desenvolvido de joelhos, grávido de adoração e oração; um conhecimento
transcendente e, ao mesmo tempo, atento à voz do povo, portanto teologia
“popular”, misericordiosamente dirigida às feridas abertas da humanidade e da
criação e nas dobras da história humana, para a qual profetiza a esperança de
uma realização final.
8. Este é o “selo” pastoral que a teologia como
um todo, e não apenas num âmbito particular, deve assumir: sem opor teoria e
prática, a reflexão teológica é convidada a desenvolver-se com um método
indutivo, que parte dos diferentes contextos. e situações concretas em que as
pessoas estão inseridas, deixando-se desafiar seriamente pela realidade, para
se tornarem discernimento dos “sinais dos tempos” no anúncio do acontecimento
salvífico do Deus-ágape, comunicado em Jesus Cristo. Portanto, antes de mais
nada, deve-se dar prioridade ao conhecimento do senso comum das pessoas, que é
de fato o lugar teológico onde vivem muitas imagens de Deus, muitas vezes não
correspondendo ao rosto cristão de Deus, único e sempre amor. A teologia
coloca-se ao serviço da evangelização da Igreja e da transmissão da fé, para
que a fé se torne cultura, isto é, o "ethos sapiente" do povo de Deus, uma proposta
de beleza humana e humanizadora para todos.
9. Perante esta missão renovada da teologia, a
Pontifícia Academia de Teologia é chamada a desenvolver, em atenção constante à
natureza científica da reflexão teológica, o diálogo transdisciplinar com
outros saberes científicos, filosóficos, humanísticos e artísticos, com crentes
e não crentes. , com homens e mulheres de diferentes denominações cristãs e de
diferentes religiões. Isto pode acontecer criando uma comunidade académica de
partilha da fé e do estudo, que tece uma rede de relações com outras
instituições de formação, educativas e culturais e que saiba penetrar, com
originalidade e espírito de imaginação, nos lugares existenciais de elaboração.
de conhecimentos, profissões e comunidades cristãs.
10. Graças aos novos Estatutos, a Pontifícia
Academia de Teologia poderá prosseguir mais facilmente os objetivos que o
tempo atual exige. Ao acolher favoravelmente os votos que me foram dirigidos
para aprovar estas novas normas, e ao apoiá-las, desejo que esta estimada sede
de estudos cresça em qualidade e por isso aprovo, em virtude desta Carta
Apostólica, e em perpetuidade , os Estatutos da Pontifícia Academia de
Teologia, legitimamente elaborados e novamente revistos e dou-lhes a força da
aprovação apostólica.
Tudo o que decretei nesta Carta Apostólica motu proprio dada, ordeno que tenha valor estável e duradouro, apesar de qualquer coisa em contrário.
Dado em Roma, junto de São Pedro, no dia 1º de novembro do ano de 2023, Solenidade de Todos os Santos, décimo primeiro do Pontificado.
FRANCISCO
Fonte: https://www.vatican.va/content/francesco/it/motu_proprio/documents/20231101-motu-proprio-ad-theologiam-promovendam.html