quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

Texto Base CFE 2021 - Campanha da fraternidade de 2021

CAMPANHA DA FRATERNIDADE ECUMÊNICA 2021 Tema: Fraternidade e diálogo: compromisso de amor Lema: “Cristo é a nossa paz: do que era dividido fez uma unidade”. (Ef 2,14a) TEXTO-BASE CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 1 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 1 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 Direção-Geral: Mons. Jamil Alves de Souza Secretário Executivo para Campanhas da CNBB: Pe. Patriky Samuel Batista Autoria: Comissão da CFE: Igrejas-membro do CONIC Edição: João Vítor Gonzaga Moura Revisão: Leticia Figueiredo Cartaz da CF 2021: Ateliê 15 Projeto Gráfi co, capa e diagramação: Henrique Billygran Santos de Jesus Impressão e acabamento: Foxy Editora Gráfi ca Edições CNBB SAAN Quadra 3, Lotes 590/600 Zona Industrial – Brasília-DF CEP: 70.632-350 Fone: 0800 940 3019 / (61) 2193-3019 E-mail: vendas@edicoescnbb.com.br www.edicoescnbb.com.br C748c CONIC/CNBB / Campanha Fraternidade Ecumênica 2021: Texto-Base. Brasília: Edições CNBB, 2020. Campanha Fraternidade Ecumênica 2021: Texto-Base 84p.: 14 x 21 cm ISBN: 978-65-86151-58-9 1. Campanha da Fraternidade Ecumênica; 2. Ecumenismo; 3. Diálogo - unidade. CDU: 250.1 CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 2 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 2 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 Sumário APRESENTAÇÃO ...............................................................................................................5 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................10 1. A conversão ao diálogo e ao compromisso de amor ....................................................13 2. Redescobrindo Cristo no caminho: paz do Ressuscitado que nos une ....................15 PRIMEIRA PARADA Trocando impressões sobre os acontecimentos mais recentes ...................................................................................................................18 1. A conversa do caminho .......................................................................................................22 2. Em tempos de crise: contemplar a realidade com agilidade de coração ................25 3. Fraternidade e diálogo: novas cruzes não são respostas para a paz .......................28 4. Violência nunca será a saída ..............................................................................................35 5. Racismo e violência religiosa ............................................................................................37 SEGUNDA PARADA “Carta para pessoas de boa vontade em um mundo cheio de barreiras e divisões” ...................................................41 1. Ficou com eles, abriram os olhos e o reconheceram ....................................................41 2. A diversidade que conduz à unidade ...............................................................................44 3. Como e o que testemunhar ................................................................................................46 4. Enraizados no amor misericordioso de Deus revelado em Cristo Jesus! ................47 5. O Evangelho é força de Deus que derruba os muros ....................................................48 6. Cristo é a nossa paz! ............................................................................................................50 CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 3 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 3 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 7. O orgulho religioso levanta muros ...................................................................................52 8. A paz em Cristo......................................................................................................................52 9. Criação e uma nova humanidade .....................................................................................53 TERCEIRA PARADA Cristo é a nossa paz: do que era dividido fez uma unidade ....................................................................................................................56 1. Promoção do diálogo ecumênico – Semana de Oração pela Unidade Cristã ........56 2. Convivência inter-religiosa ................................................................................................57 3. Superação da violência: realização das missões ecumênicas....................................58 4. Superação da violência contra as mulheres ..................................................................60 5. Cuidado da casa comum .....................................................................................................62 QUARTA PARADA Celebrar ..................................................................................................................................65 COLETA DA SOLIDARIEDADE Nosso gesto concreto! ............................................................................................78 Oração da Campanha da Fraternidade Ecumênica 2021 ...................................................82 Hino da Campanha da Fraternidade Ecumênica 2021 ........................................................83 

APRESENTAÇÃO PRESENTAÇÃO Sonho que se sonha... Queridos irmãos e queridas irmãs, graça e paz! A Campanha da Fraternidade Ecumênica (CFE) representa uma das experiências mais valiosas de missão evangelizadora em nosso país. Sua realização, mais do que identifi car temas e lemas para serem refl etidos nas comunidades, nas escolas e nos movimentos, é um sinal de esperança almejado por pessoas que nos antecederam na caminhada ecumênica. Desde os anos de 1980, o projeto de uma campanha ecumênica de evangelização e missão era sonhado. Esse projeto ambicioso concretizou-se no ano 2000, na aurora de um novo milênio. Depois de um milênio marcado por guerras, intolerâncias, crises econômicas, havia um clamor por mais “Dignidade humana e paz e por um novo milênio sem exclusões”, tema e lema da primeira CFE. Essa experiência aprofundou a compreensão de que tanto a missão como a evangelização devem ser orientadas para o que é essencial na fé em Jesus Cristo: crer em sua palavra, acolher seus mandamentos e a partir daí trabalhar para a superação das desigualdades, das violências, do exclusivismo das identidades confessionais. Essa experiência se sobressaiu e tornou-se um marco da caminhada ecumênica brasileira. A CFE 2000 gerou muitos frutos. Um deles foi a primeira Jornada Ecumênica, realizada em Mendes – RJ.1 Outro fruto foi a Campanha pelo Jubileu 2000,2 promovida pela Rede Jubileu Sul,3 articulada com a CFE 2000. 1 A Jornada Ecumênica se repetiu após as CFE de 2005. 2 A Campanha Jubileu 2000 foi promovida por uma ampla articulação, formada por organizações diaconais, pastorais sociais e movimento populares, e tinha como objetivo a conscientização da sociedade em relação à dívida externa. A Campanha promoveu o Plebiscito da Dívida Externa, do qual participaram 6 milhões de pessoas. 3 A Rede Jubileu Sul é uma ampla mobilização ecumênica, fruto de um processo de debate ocorrido entre os anos de 1980 e 1990 sobre a dívida externa. Mais informações estão disponíveis no site: http://jubileusul.org.br/rede-jubileu-sul/quem-somos/historia/.  Após a realização dessa Campanha da Fraternidade Ecumênica 2000, foram realizadas outras quatro. Em 2005, o tema da CFE foi “Solidariedade e paz – felizes os que promovem a paz”. Essa Campanha nos ensinou que evangelizar é assumir o compromisso concreto com a paz. Em um país como o Brasil, historicamente marcado pela violência, a CFE daquele ano deu uma importante contribuição para a Campanha do Desarmamento.4 Várias comunidades abriram suas portas para o recolhimento de armas de fogo. Relembramos que não foi uma experiência sem confl itos. Nem todas as pessoas eram favoráveis ao desarmamento. Foi necessário enfrentar pressões e campanhas contrárias por parte da indústria de armas. A opção pelo Evangelho exige que se assuma a cultura da paz, mesmo se as consequências desta opção forem as críticas, as perseguições e as incompreensões. As Igrejas participantes foram firmes em sua profecia e no anúncio de que as pessoas batizadas são chamadas a ser promotoras de paz. Essa CFE foi um exemplo de que a coerência com a Boa-Nova pode se tornar um sinal de contradição. A paz é nosso horizonte. Ela passa necessariamente pelo enfrentamento das desigualdades econômicas. Todos sabemos que o Brasil é um dos países mais desiguais do mundo. Aqui, a elite econômica, formada por 1% das pessoas mais ricas, não se sente constrangida em ganhar 33,7 vezes mais do que os 50% mais pobres da população brasileira.5 Como falar de paz, quando pessoas passam fome e não têm trabalho, nem terra e teto? Como falar em paz, sem denunciar essas injustiças econômicas, sociais e ambientais? “Vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro” (Mt 6,24), foi o lema bíblico que inspirou a CFE 2010, cujo tema foi “Economia e vida”. Essa CFE chamou a atenção para a idolatria do dinheiro, 4 A Campanha do Desarmamento foi realizada após a elaboração do Estatuto do Desarmamento, no ano de 2003. A Campanha tinha dois objetivos: o primeiro deles era que as pessoas que portavam armas sem registro regularizassem o porte de armas em 180 dias; o segundo objetivo era que as pessoas entregassem voluntariamente as armas de fogo, com direito à indenização. 5 Disponível em: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2020/05/06/ibge-renda-dos-1percent- -mais-ricos-e-337-vezes-a-dos-50percent-mais-pobres.ghtml.  7 denunciada por Jesus. Teologias que pregam a prosperidade como se fosse o objetivo da fé, que fortalecem a ideologia neoliberal, que qualificam a pobreza como castigo de Deus ou falta de fé foram denunciadas como teologias a serviço de um ídolo. A CFE 2010 lembrou-nos que a economia faz parte da vida humana, mas ela precisa estar voltada para o bem comum. A economia deve ser um meio que permita aos seres humanos viverem com qualidade de vida. Para tanto, é necessário que todas as pessoas tenham acesso ao trabalho, à moradia, à educação, à saúde e ao lazer. Sempre que um sistema econômico afirma que o lucro é mais importante do que a vida, comete-se um pecado, pois se coloca a riqueza no lugar de Deus, que é vida e amor. O tema dessa Campanha nos desafiou a refletir e a conversar sobre aquilo que é desconfortável e expõe nossas fraquezas. Com essa Campanha, fortalecemos as inúmeras redes de economia popular e solidária. Em 2016, realizamos a quarta CFE, que cruzou fronteiras por ter sido realizada simultaneamente com a MISEREOR6 da Alemanha. Para essa Campanha, pela primeira vez, foram convidadas a se juntar a nós duas organizações que não eram membros do CONIC: a Aliança de Batistas do Brasil e a Visão Mundial.7 Tivemos também a alegria de contar, pela primeira vez, na Comissão organizadora, com a presença de um membro-fraterno do CONIC, o Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular (CESEEP). Com o tema “Casa comum, nossa responsabilidade” e com o lema “Quero ver o direito brotar como fonte e correr a justiça qual riacho que não seca” (Am 5,24) contribuiu para denunciar o escândalo da ausência de saneamento básico em nosso país. Ele está ausente nos bairros periféricos. Em alguns condomínios de alto padrão, o esgoto 6 Organização católica alemã de cooperação que tem como missão o fortalecimento das pessoas pobres para que tenham acesso à vida digna. Para isso, a MISEREOR apoia projetos de fortalecimento de iniciativas locais, voltados para o desenvolvimento humano. Mais informações no site: https://www.misereor.de. 7 A Visão Mundial é uma organização cristã de desenvolvimento e resposta às situações de emergência e está no Brasil desde 1975. CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 7 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 7 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 8 é escoado para as praias e rios, poluindo as águas, impedindo a pesca e provocando doenças. Assumimos que tanto o saneamento básico quanto o acesso à água potável de qualidade são direitos humanos fundamentais. Por isso, não podem ser privatizados. O sopro do Espírito Santo fortaleceu essa Campanha com duas alegrias. A primeira foi a Encíclica do Papa Francisco Laudato Si’, que denunciou com força profética a ganância destrutiva da economia de mercado e apresentou como alternativas, o cuidado com a casa comum, a cultura do “bem viver” e o respeito aos direitos da natureza. Essas perspectivas são ensinadas e vividas pelos povos tradicionais da nossa América Latina. A segunda alegria nos veio do tema da celebração dos 500 anos da Reforma, em 2017. Ele nos lembrou que a casa comum, a natureza e as pessoas não estão à venda. A CFE 2016 contribuiu para o fortalecimento do movimento ecumênico e também para a campanha contra a privatização do saneamento básico. No ano de 2018, o movimento ecumênico participou do Fórum Alternativo Mundial da Água, realizado na cidade de Brasília. Nesse Fórum, o movimento ecumênico organizou a Tenda Inter-religiosa que promoveu debates diários sobre o compromisso das tradições de fé com o cuidado com a casa comum. Como se pode ver, um sonho que parecia impossível foi concretizado e gerou frutos abundantes. Isso porque, um sonho que sonhamos juntos vira realidade. Cada uma dessas Campanhas sinaliza que o diálogo é o nosso melhor testemunho. A fé nos lembra que Cristo é nossa paz e nos anima a prosseguir pelo caminho da unidade na diversidade. A Boa-Nova do Evangelho nos une e acolhe nossas diferentes experiências de testemunho cristão. A escolha por testemunhar a fé vivida em diversidade desafi a-nos para realizar a Campanha da Fraternidade Ecumênica 2021. Com ela, afi rmamos que a fraternidade e o diálogo são compromissos de amor, porque Cristo fez uma unidade daquilo que era dividido. CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 8 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 8 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 9 Ecoando o Hino da CFE 2021 convidamos todos a participarem desta grande ciranda ecumênica do diálogo e do amor: “Venham todos vocês venham todos, reunidos num só coração de mãos dadas formandos a aliança, confi rmados na mesma missão”. Pra. Romi Márcia Bencke Secretária-Geral do CONIC Comissão da Campanha da Fraternidade Ecumênica 2021 Igreja/Organização Pr. Odair Braun Igreja Evangélica de Confi ssão Luterana no Brasil Rvr. Francisco Leite Igreja Presbiteriana Unida do Brasil Pe. Patriky Samuel Batista Igreja Católica Apostólica Romana Rvr. Daniel Rangel Igreja Episcopal Anglicana do Brasil Monge Isac Souza Igreja Sirian Ortodoxa de Antioquia Roberto Demétrio da Silva Souza Igreja Sirian Ortodoxa de Antioquia Pr. Joel Zeff erino Aliança de Batistas do Brasil Pr. Eliel Batista Igreja Betesda Pe. José Oscar Beozzo Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização Educação Popular – CESEEP CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 9 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 9 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 10 INTRODUÇÃO NTRODUÇÃO 1. Com alegria e gratidão temos em mãos o Texto-Base da Campanha da Fraternidade Ecumênica 2021. É um instrumento que nos ajuda a conhecer o tema da CFE ao mesmo tempo que nos estimula a encontrar caminhos de comunhão e fraternidade à luz do Evangelho. Neste ano, o tema da Campanha é “Fraternidade e diálogo: compromisso de amor”. Na carta aos Efésios encontramos a inspiração bíblica que iluminará nosso caminho de refl exão e ação. Em Ef 2,14 lemos: “Cristo é a nossa paz: do que era dividido, fez uma unidade”. Qual é o signifi cado dessa confi ssão de fé em tempos tão incertos como este em que vivemos, caracterizado por confl itos, violência, racismos, xenofobias e outras práticas de ódio? Como anunciar a Boa-Nova de Jesus Cristo em períodos turbulentos como o atual? 2. Refl etindo sobre possíveis caminhos para o diálogo e a construção de pontes de amor e paz em lugar dos muros de ódio, queremos explicitar os sinais da “nova humanidade nascida em Cristo” que está presente entre nós. Sabemos que o Espírito de Sabedoria age e nos move para a paz. Existem muitas experiências na história da humanidade que demonstram que somos irmãos e irmãs que podem e devem viver em comunhão. 3. Na caminhada quaresmal em vista da Páscoa, memória da crucifi cação e ressurreição de Jesus, a CFE 2021, como seu objetivo geral, convida as comunidades de fé e pessoas de boa vontade a pensarem, avaliarem e identifi carem caminhos para superar as polarizações e violências através do diálogo amoroso, testemunhando a unidade na diversidade.8 Para alcançar este objetivo geral, somos chamados, como objetivos específi cos, a: 8 O conceito “unidade na diversidade” remete à experiência de Pentecostes (At 2,1-13). A unidade não desfaz a diferença, nem anula a diversidade. A unidade é fruto do Espírito, que ajuda a nos reconhecermos como humanidade diversa, capaz de conviver com as diferentes culturas e tradições religiosas. Mais informações em: https://www.cnbb.org.br/unidade-na- -diversidade. CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 10 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 10 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 11  Redescobrir a força e a beleza do diálogo como caminho de relações mais amorosas;  Denunciar as diferentes violências praticadas e legitimadas indevidamente em nome de Jesus;  Comprometer-nos com as causas que defendem a casa comum, denunciando a instrumentalização da fé em Jesus Cristo que legitima a exploração e a destruição socioambiental;  Contribuir para superar as desigualdades;  Animar o engajamento em ações concretas de amor ao próximo;  Promover a conversão para a cultura do amor, como forma de superar a cultura do ódio;  Fortalecer a convivência ecumênica e inter-religiosa;  Estimular o diálogo e a convivência fraterna como experiências humanas irrenunciáveis, em meio a crenças, ideologias e concepções, em um mundo cada vez mais plural;  Compartilhar experiências concretas de diálogo e convívio fraterno. 4. A necessidade de uma refl exão sobre o tema do diálogo foi indicada por inúmeras pessoas e grupos que enviaram sugestões de tema para a CFE 2021. Agradecemos a todos e todas por terem participado e nos provocado a assumir este desafi o. Dando continuidade à Campanha da Fraternidade de 2020, quando nos voltamos à importância do cuidado de pessoas, grupos, povos e de todo o planeta, percebemos a ligação entre cuidar e dialogar. Percebemos também a ausência do diálogo e a necessidade de testemunhar nossa fé trabalhando por ele em todo tempo e lugar. Se percebemos a ausência do diálogo é porque algo não anda bem em nosso testemunho cristão. Olhar com atenção e carinho para essa fragilidade, muito mais do que um exercício formal, é um compromisso com nosso Batismo, que apresenta, entre outros, o signifi cado de participar em unidade na diversidade humana.  Agradecemos às igrejas membros do CONIC que se engajaram fortemente em todo o processo de preparação da Campanha. De forma muito especial, expressamos nossa gratidão à Igreja Betesda e ao Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 11 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 11 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 12 Educação Popular (CESEEP) por terem acolhido o convite de integrar a construção da CFE 2021.  Nossa gratidão se estende a todas as pessoas que contribuíram para a elaboração do Texto-Base, à Comissão Ecumênica que organizou esta Campanha, às pessoas que participaram dos concursos de música e do cartaz, às várias comissões que contribuíram com os materiais especiais. Esta é uma Campanha que resulta de um amplo mutirão ecumênico, que certamente se ampliará e será mais diverso ao longo de sua realização. 5. Esta Campanha foi organizada quase que inteiramente on-line. Estávamos no processo de elaboração do Texto-Base quando fomos surpreendidos pela pandemia da Covid-19, que nos exigiu o isolamento social. Foi necessário um processo de adaptação, com a realização de reuniões em formato de videoconferência e revisão de textos por diferentes plataformas. 6. Os encontros presenciais tão característicos do movimento ecumênico, infelizmente, não puderam ser realizados durante o processo de preparação da CFE 2021. Foi certamente um período de muito aprendizado e de reconhecer a importância do encontro e do abraço ausentes, que não são triviais. 7. Não temos ideia de como o mundo estará durante a CFE 2021. O que sabemos é que a pandemia nos ensina o quanto a cultura do encontro, da celebração, das cirandas é essencial para a nossa espiritualidade. Oremos para que possamos conversar sobre fraternidade e diálogo em rodas de encontro presenciais e, mesmo que aconteçam de forma virtual, que a CFE 2021 contribua para a nossa conversão. Queremos que ela ajude a fl orescer a cultura da paz como consequência da transformação de todas as estruturas desiguais como o racismo, a disparidade econômica, de todas as formas de segregação, geradoras de confl ito e violência, concretizando, assim, a oferta de Cristo: “Eu vim para que todos tenham vida e vida em plenitude” ( Jo 10,10). CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 12 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 12 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 13 1. A conversão ao diálogo e ao compromisso de amor 8. Existe, em alguns segmentos, uma tendência de perceber a conversão a Jesus Cristo como um momento mágico na vida, caracterizado por profunda transformação instantânea no modo de ser e estar no mundo. Embora essas experiências sejam importantes e valiosas, é necessário observar que a conversão é um processo permanente e diário. A conversão nos provoca a pensarmos e repensarmos cotidianamente nossa forma de estar no mundo. Ela nos pergunta sobre como nos envolvemos com as transformações sociais, econômicas, espirituais, ecológicas, individuais e coletivas, a fi m de que sejamos, cada vez mais coerentes com os ensinamentos de Jesus nos Evangelhos. 9. Jesus nunca orientou seus discípulos e discípulas a criarem inimizades e perseguirem outras pessoas em seu nome. As palavras de Jesus sempre foram orientadas para que as pessoas assumissem compromissos em defesa da igualdade e do diálogo. Por exemplo, o texto do Evangelho de Mateus (19,16-22) narra a história do jovem rico que desejava saber como herdar a vida eterna. Ao perceber que ele seguia todos os mandamentos, Jesus o desafi a a assumir uma nova vida, na qual a partilha dos bens é condição irrenunciável. Ao nos ensinar a partilhar tudo o que somos e temos com os pobres, Jesus revela que a concentração de riquezas não é coerente com a paz, porque toda a concentração de riqueza gera desigualdades, confl itos e segregação. 10. Outro exemplo podemos identifi car no Evangelho de João (8,3-13), que conta a história da mulher que seria apedrejada porque, segundo seus acusadores, teria sido pega em fl agrante adultério. Aqueles homens exigiram a restrita aplicação da Lei mosaica. Jesus não julga a mulher, mas provoca os acusadores à autocrítica, ao propor que quem não tivesse pecado atirasse a primeira pedra. Nenhum dos homens ousou apedrejar a mulher. Com isso também ela teve sua vida transformada ( Jo 8,11) e pôde continuar a viver livre de acusações e julgamentos. 11. Essa postura de Jesus nos mostra a possibilidade de novas formas de relações humanas e sociais. Tais relações não são de apego incondicional à Lei, mas de compromisso incondicional ao amor. A CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 13 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 13 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 14 Lei, sempre que manipulada para a manutenção de um poder desigual, pode provocar sofrimento e morte. Já o amor nos convoca a assumirmos atitudes de compaixão, empatia e convivência. 12. Ao longo da CFE 2021, seguiremos uma trajetória que nos conduzirá a um reencontro com a vida de amor anunciada por Jesus. Nesse caminho, é bom fi carmos atentos com o nosso testemunho como pessoas batizadas. Iremos nos perguntar:Qual é o signifi cado e o sentido do seguimento a Jesus? Associamos o nome de Jesus mais ao amor ou à intolerância? Nossa fé em Jesus Cristo tem contribuído para posturas de acolhida e de compromisso com as pessoas vulneráveis e vulnerabilizadas, pobres e excluídas e de comprometimento em projetos de superação das desigualdades? 13. Quaresma, na tradição cristã, é período de conversão e autorrefl exão. São 40 dias dedicados à oração, ao jejum, à partilha do pão e à conversão pela revisão de nossas práticas e posturas diante da vida, do Planeta e das pessoas. É a prática da contrição, isto é, o momento de arrependimento dos pecados cometidos e o reconhecimento de que esses pecados são uma ofensa ao Deus amor. A contrição não tem relação com o medo de ser castigado por Deus, mas é resultado da graça de Deus, que nos permite o reconhecimento de nossos pecados e o sincero arrependimento, Deus nos perdoa porque é amor misericordioso. O jejum é parte integrante da espiritualidade quaresmal. Há muitas formas de jejuar, mas o jejum que agrada a Deus é apresentado em Isaías (58,6-8),9 que nos questiona se jejuar é não “desatar os laços provenientes da maldade, desamarrar as correias do jugo, dar liberdade aos que estavam curvados, em suma, que despedaceis todos os jugos? Não é partilhar o teu pão com o faminto? E ainda? Os pobres sem abrigo tu os albergarás; se vires alguém nu, cobri-lo-ás: diante daquele que é a tua própria carne, não recusarás. Então a tua luz despontará como a aurora, e o teu restabelecimento se realizará bem depressa. Tua justiça caminhará diante de ti e a glória do Senhor será a tua retaguarda”. 14. A Campanha da Fraternidade Ecumênica 2021 quer ser um convite para viver um jejum que agrada a Deus e que conduz à 9 Ao longo de todo o Texto-Base é utilizada a Tradução Ecumênica da Bíblia Sagrada. CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 14 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 14 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 15 superação de todas as formas de intolerância, racismo, violências e preconceitos. Queremos que nosso arrependimento contribua para assumirmos outras posturas em relação a cada pessoa que encontrarmos ao longo do caminho e que, ao longo dos 40 dias da Quaresma, nos perguntemos se nossa prática cristã promove a paz ou potencializa o ódio. Esperamos que este seja um tempo que nos ajude a testemunhar e anunciar com a própria vida que Cristo é a nossa paz, adotando comportamentos de acolhida, de diálogo, de não violência e antirracistas. 15. Queremos que a Quaresma nos inquiete com uma “PAZ que luta pela PAZ! A PAZ que nos sacode com a urgência do Reino. A PAZ que invade, com o vento do Espírito, a rotina e o medo, o sossego das praias e a oração de refúgio. A PAZ das armas rotas na derrota das armas. A PAZ do pão da fome de justiça, a PAZ da liberdade conquistada, a PAZ que se faz ‘nossa’, sem cercas nem fronteiras. Que é tanto ‘Shalom’ como ‘Salam’, perdão, retorno, abraço... Dá-nos a tua PAZ, Senhor, essa PAZ marginal que soletra em Belém e agoniza na Cruz e triunfa na Páscoa”.10 Para realizar esta caminhada quaresmal, dialogando e comprometidos com uma sociedade mais amorosa e justa, seguiremos os passos dos caminhantes de Emaús, como narra o Evangelho de Lucas (24,13-35). 2. Redescobrindo Cristo no caminho: a paz do Ressuscitado que nos une 16. Recordemos a história dos discípulos11 de Emaús. Ambos caminhavam de Jerusalém a Emaús, uma jornada de 11 quilômetros. 10 CASALDÁLIGA, Pedro. Poema: “A paz inquieta”. 11 Há muitos estudos exegéticos que indicam a possibilidade de que os peregrinos de Emaús poderiam ser um casal. O nome de um dos peregrinos é Cleópas, nome masculino. No período bíblico, uma mulher casada era identifi cada como sendo a “mulher de...”. O nome das mulheres não era citado. Neste caso, como o nome da segundo pessoa não é citado, suspeita- -se que Cleopas estava acompanhado de sua esposa. Apesar desta suspeita, neste Texto-Base faremos referência aos discípulos de Emáus. Para saber mais: SCHINELO, Edmilson. Catequese sempre a caminho... a caminho de Emaús. In. MINCATO, Ramiro (org). Eucaristia, pão da unidade dos discípulos missionários. Porto Alegre: Ltera Viva, 2010, p. 32-42; CROSSAN, John Dominc. O Jesus Histórico. A vida de um camponês judeu do Mediterrâneo. 2. Ed.Rio de Janeiro: Ed. Imago, 1994, 544 p.; DREHER, Carlos. A Caminho de Emaús – os discípulos e a cultura do silêncio. São Leopoldo: Ed. Cebi, 1993, p. 8 ss. CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 15 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 15 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 16 Conversavam sobre todos os acontecimentos relacionados à condenação e à morte de Jesus, quando outro peregrino se incorporou à viagem. Seus corações estavam divididos e marcados pela dúvida: iriam acreditar no relato das mulheres que disseram que viram o túmulo vazio e anunciaram a ressurreição? 17. Ao chegarem ao destino, o peregrino que estava com eles indica que seguiria sua viagem. No entanto, os discípulos o convidam para pernoitar: “Fica conosco”. Foi ao redor da mesa, quando o estranho partiu o pão e o abençoou, que eles reconheceram que aquele que lhes parecera estranho, na verdade, era Jesus. Somente nesse momento eles creram que a ressurreição anunciada pelas mulheres era verdadeira. Decidem, por isso, voltar de imediato à comunidade de Jerusalém. Com eles, aprendemos que o diálogo com Jesus faz o coração arder. E, se o coração arde em chamas pela Palavra, os pés partem em missão. 18. A CFE é um dos modos de viver a espiritualidade quaresmal. Ela convida as comunidades de fé a realizarem o caminho de Emaús, que será caracterizado pelas seguintes paradas: 19. Primeira parada: “o VER” – um convite para conversar sobre os acontecimentos mais recentes que marcam nossa história e observar se as alternativas e saídas que identifi camos são opções coerentes com a Boa-Nova do Evangelho. 20. Segunda parada: “o JULGAR” – é a possibilidade de, a partir da inspiração bíblica, lançar luzes sobre o contexto vivido por nós. O “Julgar” é quando nossas mentes e corações se abrem. Foi como aconteceu com os discípulos que reconheceram que era Jesus que caminhava com eles. Esse reconhecimento aconteceu apenas quando ele “se pôs à mesa com eles, tomou o pão, pronunciou a bênção, partiu-o e lhes deu” (Lc 24,30). O texto bíblico de Efésios (2,14a), ao proclamar que Cristo é a nossa paz, é a luz que ilumina nossos caminhos, indica que a fé em Cristo nos ensina a trilhar caminhos de coexistência em sociedades divididas pelos muros das intolerâncias. 21. Terceira parada: “o AGIR” – a partir de experiências de boas práticas realizadas pelo CONIC, indicaremos exemplos que podem CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 16 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 16 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 17 contribuir para derrubar os muros das divisões. Esses exemplos são respostas à paz de Cristo, que é oferecida para nós incondicionalmente. Elas são semelhantes à alegria dos discípulos de Emaús que, ao reconhecer Jesus, voltam para Jerusalém, a fi m de contar a Boa-Nova: Cristo ressuscitou – a vida triunfou, e não a violência. 22. Quarta parada: “o CELEBRA R” – momento de afi rmar que a diversidade presente na Criação não é negativa, mas é a revelação da imensa e irrestrita amorosidade de Deus para com a humanidade. Não há nada que justifi que a inimizade e a anulação da diversidade humana. Somos quem somos porque Deus nos criou pessoas diversas. Como exemplo disso, consideramos como paradigmática a conversão do apóstolo Paulo, que passou de perseguidor violento das primeiras comunidades cristãs a uma pessoa que promoveu a coexistência nas comunidades e a superação dos preconceitos entre judeus e gentios. CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 17 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 17 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 18 PRIMEIRA PARADA RIMEIRA PARADA Trocando impressões sobre os rocando impressões sobre os acontecimentos mais recentes contecimentos mais recentes 23. Quando os discípulos de Emaús saíram de Jerusalém estavam impactados pelos acontecimentos mais recentes: a condenação e a consequente morte de Jesus na cruz. Todo o processo foi de extrema violência. Provavelmente não esteve ausente da conversa entre os dois caminhantes a história contada por Maria Madalena, Salomé e Maria, mãe de Tiago, que viram o túmulo vazio. Mais incrível ainda foi a história de Maria Madalena, que contou para Pedro que viu Jesus ressuscitado. Como conciliar tantas histórias impactantes? A crucifi cação todos testemunharam, mas fi cou uma dúvida: a história da ressurreição seria verdadeira ou apenas o resultado do abalo emocional das mulheres? Afi rmações e perguntas sobre os tais acontecimentos são feitas por nós todos os dias. As certezas e as dúvidas são inerentes quando o assunto é a realidade em que vivemos, principalmente mediante crises e sofrimentos. 24. O fi nal de 2019 e o início de 2020 serão provavelmente narrados e analisados ao longo do século XXI com foco nos impactos provocados por uma pandemia global, da Covid-19, que até este momento interrompeu centenas de milhares de vidas de mulheres e homens, crianças e jovens, idosos e idosas. Todas essas vidas interrompidas não podem ser compreendidas como meras estatísticas. Cada uma dessas mortes representa ausência, saudade, interrupção de planos e projetos. No Brasil, presenciamos, dia após dia, milhares de sepultamentos. Foram sepultadas muitas histórias, da mesma forma que foram interrompidas vidas de importantes lideranças indígenas, populares, comunitárias. A pandemia dilacerou famílias e deixou espaços vazios na cultura nacional. Em poucos meses, o Brasil alcançou a triste marca dos 10% dos óbitos de todo o mundo.12 12 Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2020/06/29/perto-de-60-mil-mortes-brasil- -tem-mais-de-10-dos-obitos-por-covid-do-mundo. CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 18 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 18 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 19 25. Ainda que esta não seja a primeira pandemia da história da humanidade, e provavelmente não será a última, há diversos fatores que nos imobilizam, como a incerteza, a insegurança, o descaso político para com as pessoas, a desestruturação repentina de nosso modo de vida. Essa sensação de medo e impotência vem à tona, apesar dos grandes avanços científi cos que faziam com que nos sentíssemos relativamente seguros. 26. A pandemia da Covid-19, para a qual ainda não temos respostas, nem soluções defi nitivas, nos coloca frente a frente com a fi nitude humana. Ao contrário do que muitos pensavam, não somos invencíveis. A Covid-19 revela nossa fragilidade, nossa vulnerabilidade e o nosso potencial autodestrutivo. 27. Das muitas impressões que podemos partilhar a partir desta experiência recente, algumas chamaram a atenção. No Brasil, surgiram discursos religiosos que associavam a pandemia ao fi m do mundo e à volta de Jesus. Foi possível assistir cenas de pessoas ajoelhadas nas ruas orando e pedindo que muitos se convertessem porque a pandemia seria um sinal de que “Jesus está voltando”. 28. Algumas igrejas reivindicaram o direito de permanecerem abertas, realizando suas celebrações, apesar das aglomerações causarem contaminações e mortes. Com o intuito de justifi car a abertura das igrejas, mesmo que isso signifi casse contrariar as orientações de distanciamento e isolamento social, foi proposto, pelo lobby religioso, que elas fossem incluídas entre as “atividades essenciais” para poderem abrir. Surgiu a discussão sobre o que seria essencial no papel desempenhado pelas igrejas: o templo aberto e as celebrações numerosas ou o serviço ao próximo e à próxima? 29. Se, por um lado, parte das igrejas realizaram pressões políticas para permanecerem abertas, por outro lado, outras igrejas assumiram como testemunho de amor o cancelamento de todas as atividades presenciais, como forma de cuidado. As celebrações foram adaptadas para realidade da internet, foram estimulados outros espaços de encontro e celebração, como as plataformas on-line. Com isso, alguns CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 19 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 19 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 20 desafi os estão colocados, por exemplo, a realização de rituais que exigem o encontro presencial. Entre eles estão o sepultamento e o acompanhamento a pessoas enlutadas. 30. Discursos negacionistas sobre a realidade e fatalidade da Covid-19 são recorrentes, assim como a negação da ciência e do papel de organismos multilaterais como a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização Mundial da Saúde (OMS). Teorias conspiratórias de que a Covid-19 fora desenvolvida em laboratório, na China, contribuíram para fomentar a luta geopolítica, bem como a xenofobia. As fronteiras que estavam mais abertas foram ofi cialmente fechadas. 31. No Brasil, a pandemia escancarou as desigualdades e a estratifi cação racial, econômica e social. Cenas de valas comuns sendo abertas, por exemplo em Manaus, chocaram, mas não o sufi ciente para as pessoas mudarem seus hábitos e comportamentos. A resistência ao isolamento social, tanto por parte do governo quanto de uma parcela signifi cativa da sociedade, expôs o quanto ainda precisamos amadurecer quando o assunto diz respeito à empatia e ao amor em relação ao próximo. O retorno do Brasil ao mapa da fome, ao desemprego massivo, ao aumento de pessoas em situação de rua, à cultura de violência contra as mulheres, as pessoas negras, os indígenas, as pessoas LGBTQI+ foram expostas pela pandemia. 32. Durante a pandemia não cessaram as violências policiais, nem o racismo. Além de testemunharmos as inúmeras mortes provocadas pela pandemia, continuamos sendo testemunhas de muitos sofrimentos causados pela cultura da violência. Lembremo-nos do adolescente João Pedro Matt os Pinto, de 14 anos. Ele estava brincando dentro de casa, no Complexo do Salgueiro, São Gonçalo – RJ, quando foi morto durante uma operação conjunta das Polícias Civil e Federal. 33. A cultura da indiferença e da falta de empatia também pode gerar sofrimentos. Durante a pandemia, ocupou grande espaço no debate público a questão das trabalhadoras domésticas, se elas permaneceriam ou não em isolamento social. Para que elas pudessem se prevenir do vírus deveriam ter a sua renda garantida. As pessoas CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 20 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 20 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 21 que usufruem do trabalho de diaristas e trabalhadoras domésticas deveriam continuar pagando os valores relacionados a estes trabalhos. Continuar pagando as trabalhadoras domésticas para que elas fi cassem em casa seria um gesto de solidariedade e de compromisso com o coletivo. Quanto menos gente estiver circulando, maiores são as chances de evitar a propagação da Covid-19. Se algumas pessoas compreenderam a importância desse gesto, outras foram irredutíveis e exigiram que as trabalhadoras domésticas seguissem sua rotina de trabalho. Assim foi o caso da mãe do menino Miguel Otávio, de 5 anos, que caiu do nono andar de um prédio, em Recife, enquanto a sua mãe levava os cachorros de sua patroa para passear. Tanto a família de João Pedro quanto a família de Miguel são formadas por pessoas pobres e negras. Os dois casos impactaram a sociedade brasileira, que precisou se confrontar com o fato de que as desigualdades e o racismo revelam o quanto as estruturas sociais brasileiras negam o direito à existência para um conjunto da população. 34. Como vimos, as mortes provocadas pela pandemia não contribuíram para que repensássemos nossas relações. A violência também aumentou nas casas. Entre março e abril de 2020, meses em que o isolamento social esteve mais forte, os casos de feminicídio aumentaram 5% em relação ao mesmo período de 2019. Somente nesses dois meses, 195 mulheres foram assassinadas, enquanto em março e abril de 2019 foram 186 mortes. Entre os 20 estados brasileiros que liberaram dados das Secretarias de Segurança Pública, nove registraram juntos um aumento de 54%, outros nove tiveram queda de 34%, e dois mantiveram o mesmo índice.13 35. Mesmo com tudo isso, parte da sociedade seguiu manifestando seu racismo, seu ódio aos pobres e seu egoísmo. O Estado seguiu sendo capturado pelo mercado. Os bancos foram os grandes receptores da ajuda do Estado, enquanto à população em vulnerabilidade econômica restou a Renda Básica Emergencial, graças à mobilização 13 Disponível em: https://ponte.org/mulheres-enfrentam-em-casa-a-violencia-domestica-e-a- -pandemia-da-covid-19/. CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 21 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 21 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 22 da sociedade civil organizada. Após a aprovação do Auxílio Emergencial, surgiu a tensão sobre a incerteza de até quando isso seria pago. Na avaliação dos principais representantes do Ministério da Economia, a Renda Básica Emergencial implicaria em custo demasiado elevado para o Estado. Como os discípulos de Emaús, diante de tantos acontecimentos, estamos parados e com os rostos sombrios (Lc 24,17b). 1. A conversa do caminho 36. Sobre o que vocês conversam ao longo do caminho? (Lc 24,17) Essa foi a pergunta feita por aquele que se fez companheiro de viagem dos discípulos de Emaús. Por mais que o novo viajante estivesse inteirado da realidade, precisava realizar, junto com os discípulos, a refl exão sobre o tempo em que viviam a fi m de que compreendessem os fatos marcantes que haviam testemunhado em Jerusalém. A história de Emaús nos ensina que refl etir sobre as experiências vividas e compreender a realidade são esforços importantes para entender a sociedade e os ambientes religiosos. As tensões surgidas nos confl itos econômicos, políticos, sociais e culturais também estão presentes nas comunidades de fé, nas famílias, nas rodas de amigos e amigas e impactam nossas relações. 37. Talvez entre as muitas indagações que incomodavam os discípulos do caminho estaria o questionamento de como poderiam enfrentar os períodos de tormenta e os diversos totalitarismos que conduziram Jesus à morte. Haveria a possibilidade de dar continuidade àquela experiência maravilhosa de ambientes de comunhão conduzida por Jesus? Talvez essas e outras questões incomodavam o coração dos discípulos de Emaús. 38. Nossas respostas a essas perguntas dependerão da percepção que temos do que está acontecendo no nosso interior, no planeta Terra e em nossos relacionamentos. Para compreendermos a realidade, precisamos, como os discípulos no caminho de Emaús, dialogar sobre os acontecimentos de nosso tempo, acolher diferentes percepções e assim superar o que nos divide. CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 22 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 22 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 23 39. O Brasil vive uma efervescência de novos movimentos sociais com ressonâncias políticas. Eles são refl exos de um contexto de crises e colapsos de sistemas econômicos que requerem transformações nos mais diferentes modos das relações sociais e econômicas que ocorrem tanto em nível nacional quanto global. 40. Desde a CFE 2016, o país vem enfrentando momentos de tensões e confl itos. No ano de 2016, o processo eleitoral foi conturbado e questionado. Em seguida, o país se dividiu sobre a legitimidade ou não do processo de impedimento de mandato presidencial. Aprofundaram-se os acirramentos de disputas partidárias e os desentendimentos entre lideranças políticas e também religiosas, que tinham leituras diferentes da realidade. Junto com tudo isso, vieram reformas impopulares e controversas, entre elas, a reforma Trabalhista, a da seguridade social e a Lei do Teto de Gastos,14 que afeta diretamente os investimentos públicos necessários para efeito de justiça social, em especial na educação e na saúde. 41. Houve aumento do desemprego e da pobreza, aprofundando as desigualdades, a fragilização das relações e das condições de trabalho e o agravamento de confl itos entre grupos políticos, movimentos sociais e religiosos e organizações da sociedade civil. Proliferou o uso indevido das redes sociais com a difusão de fake news (notícias falsas) e de discursos de ódio. 42. A sociedade brasileira vive momentos difíceis por causa dos muitos muros construídos: do racismo, das desigualdades econômicas, da difi culdade de conviver com opiniões diferentes, de desrespeito e ataque às instituições. Em situações-limite como essa, na busca por refúgio, recorre-se, por vezes, ao Sagrado. A religião torna-se uma possibilidade de segurança e a fé pode signifi car proteção. 43. No entanto, não podemos ignorar que as instituições religiosas, suas lideranças e as pessoas que frequentam e compõem uma 14 Assim fi cou conhecida a PEC n. 241, aprovada na Câmara, que após a aprovação no Senado foi transformada em Emenda Constitucional n. 95. CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 23 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 23 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 24 comunidade de fé não estão separadas do mundo em crise. Elas são parte da história presente, sofrem as consequências das situações de confl ito. Os momentos de comunhão podem ser afetados pelas polarizações da sociedade. 44. As pessoas que frequentam as comunidades de fé são afetadas pelas diferentes crises da sociedade. Elas são as mesmas pessoas que labutam no campo ou no trabalho informal, que saem para buscar um emprego ou uma ocupação tendo em vista o seu sustento. São as que estão no trânsito a caminho da escola, da faculdade ou do serviço, são as que cumprem o dever cidadão de votar e pagar impostos, são as que ocupam cargos públicos. Tanto suas casas, como suas próprias comunidades de fé sofrem com os efeitos de medidas econômicas, de arrocho salarial e de crédito, do comércio fechado ou pouco aquecido. Todas essas coisas produzem o aumento da pobreza, aprofundam o abismo social, conduzem ao endividamento e ao aumento da violência. Mesmo vivendo em comunidades de fé, muitas enfrentam discussões familiares, problemas de saúde, lidam com inimizades, preconceitos, indiferenças e são desafi adas a tomar posições em relação a situações ou temas que pouco conhecem. 45. Os peregrinos de Emaús foram surpreendidos com o fato de um cidadão demonstrar que não estava informado sobre algo tão trágico e presente na vida do povo: a injustiça cometida pela condenação e morte violenta de um inocente: Jesus. Durante a viagem, eles procuraram informar o estranho não somente sobre as perturbadoras notícias, mas expuseram também suas contradições e dúvidas. Relataram que as mulheres foram ao túmulo, não encontraram o corpo de Jesus, mas encontraram anjos que anunciaram que ele estava vivo (Lc 24,22-23). Reconhecemos, com isso, que seguir a Jesus, dedicar- -se ao sagrado e comungar com a fé são questões que não isentam o fi el e a Igreja das crises que atingem a todos. O seguimento de Jesus exige de nós discernimento diante das mais diversas dúvidas, crises e contradições. CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 24 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 24 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 25 2. Em tempos de crise: contemplar a realidade com agilidade de coração 46. Ao ouvir atentamente os fatos narrados, o companheiro de viagem reage dizendo que estão se comportando como “Espíritos sem inteligência, corações tardos para crer tudo o que os profetas declararam!” (Lc 24,25) É uma reação imprevista. A consequência na vida de Jesus, de sua adesão ao projeto de Aliança com Deus foi a condenação à morte, pois seu modo fi el de viver a Palavra o colocou em contradição com os poderes de seu tempo. Mesmo sendo próximos a Jesus, aqueles discípulos não conseguem compreender os fatos. Por vezes, estamos sujeitos ao mesmo risco: diante dos sinais de morte e com tanta informação, fi camos desorientados e incapazes de interpretar a realidade na qual estamos inseridos. 47. Observemos o contexto desta nova década do século XXI. Apesar das novas Leis que buscam garantir que os direitos humanos incluam os grupos sociais historicamente excluídos da sociedade, ainda permanecem as estruturas racistas e excludentes. 48. Um exemplo disso são as consequências da crise econômica de 2008. Vivemos hoje o refl exo daquela situação que levou milhões de pessoas à pobreza. Os pobres não foram socorridos, mas os bancos sim. Também no contexto da pandemia, como naquela ocasião, novamente os bancos foram socorridos e não os milhões de pessoas empobrecidas. Tanto em 2008 quanto agora, o argumento utilizado para justifi car o dinheiro entregue às instituições fi nanceiras foi que seria responsabilidade do Estado salvar o sistema econômico mundial.15 49. O dinheiro que deveria ser investido em educação, saúde, moradia e geração de emprego e renda para o bem-estar das populações foi desviado para o sistema fi nanceiro. As consequências dessa decisão foram os altos índices de desemprego, o aumento da pobreza e da fome e o aprofundamento das intolerâncias. Para justifi car 15 WOLL, Cornélia. Th e power of inaction: bank bailouts in comparasion. Ithaca: Cornell University Press, 2014. CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 25 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 25 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 26 essas desigualdades, foram criados falsos inimigos, entre eles, os direitos humanos, os povos indígenas, as religiões de matriz africana, os muçulmanos. 50. As pessoas reagem à situação de pobreza e insegurança e a reação, muitas vezes, se torna luta de fragilizados contra outros fragilizados por emprego, por lugar, por posição. A insatisfação se transforma em ódio, cuja força é direcionada contra inimigos criados pelo próprio sistema, que culpabiliza o pobre por ser pobre porque assim deseja, dizendo que é pobre porque não se esforça mais. O sistema joga as pessoas contra a pessoa imigrante, com o falso argumento de que os imigrantes roubam os empregos de brasileiros, joga contra os povos quilombolas, com o falso argumento de que estes recebem terras de graça. Dessa forma, são criadas diversas narrativas para legitimar a exclusão e difundir na sociedade o ódio, a violência e a negação dos direitos humanos. 51. Nesse contexto, e talvez como um refl exo dessa situação, abre-se um espaço para grupos e personalidades antes inimagináveis chegarem ao poder, aprofundando as separações e as disputas entre as pessoas. Como saída para a crise, as forças políticas e econômicas apresentam soluções falaciosas. Dois exemplos disso são: armar a sociedade para resolver os problemas de segurança pública e privatizar serviços essenciais como o acesso ao saneamento básico e à água potável com o argumento que assim todas as pessoas terão acesso à água. Enquanto isso, o 1% mais rico da sociedade não abre mão de seus privilégios, estando protegidos por esse sistema perverso. A manutenção desse sistema é nutrida e defendida com discursos de meritocracia, com teologias da prosperidade e com a promessa de que todas as pessoas, por mais pobres que sejam, poderão, com muito esforço, fazer parte da camada mais rica da sociedade. 52. As pessoas diretamente impactadas pelas estruturas geradoras de desigualdades tendem a imaginar que é necessário aguentar, porque não é possível transformar tais estruturas. É algo semelhante ao que acontecia com parcela do povo hebreu durante o processo de libertação e após a saída do Egito. CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 26 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 26 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 27 53. As histórias do Êxodo nos contam como, diante das difi culdades da travessia para a libertação, alguns desejavam o retorno às situações violentas e degradantes de escravidão. Sempre que passavam por difi culdades, como fome, sede ou diante das dúvidas de lideranças sobre quais estratégias seguir para tornar real o processo de libertação, a primeira reação era a da aceitação ilusória de que voltar para a escravidão no Egito seria melhor do que buscar saídas reais para crise.  54. Do mesmo modo, encontramo-nos hoje em uma situação de intensifi cação das relações injustas que imperam na nossa (des)ordem social. Nesses tempos de difi culdades e crises, as pessoas que ameaçam a concentração de riqueza, patrimônio e status social são vistas como inimigas. As mais vulneráveis acabam sendo culpabilizadas. Com esses processos, portanto, os grupos e as pessoas que já se encontram em situações de exclusão e vulnerabilidade tendem a sofrer ainda mais. Dessa forma, a coesão social vai diluindo. Tornamo-nos inimigos e inimigas uns dos outros. 55. Entre os muitos aprendizados da pandemia da Covid-19, um deles foi o de que o aprofundamento do sistema de acumulação do capital apropria-se dos “bens comuns” para explorá-los economicamente. Nossos rios são poluídos, nossas fl orestas derrubadas. A terra como organismo vivo vai morrendo. Tudo isso traz consequências como o surgimento de doenças desconhecidas. 56. Diante disto, com o poeta português Cardeal José Tolentino Mendonça,16 oramos: “Livra-nos, Senhor, deste vírus, mas também de todos os outros que se escondem dentro dele. Livra-nos do vírus do pânico disseminado, que em vez de construir sabedoria nos atira desamparados para o labirinto da angústia. 16 Disponível em: https://www.capeladorato.org/2020/04/04/que-sentido-tem-tudo-isto/. CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 27 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 27 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 28 Livra-nos do vírus do desânimo que nos retira a fortaleza de alma com que melhor se enfrentam as horas difíceis. Livra-nos do vírus do pessimismo, pois não nos deixa ver que, se não pudermos abrir a porta, temos ainda possibilidade de abrir janelas. Livra-nos do vírus do isolamento interior que desagrega, pois o mundo continua a ser uma comunidade viva. Livra-nos do vírus do individualismo que faz crescer as muralhas, mas explode em nosso redor todas as pontes. Livra-nos do vírus da comunicação vazia em doses massivas, pois essa se sobrepõe à verdade das palavras que nos chegam do silêncio. Livra-nos do vírus da impotência, pois uma das coisas mais urgentes a aprender é o poder da nossa vulnerabilidade. Livra-nos, Senhor, do vírus das noites sem fi m, pois não deixas de recordar que tu mesmo nos colocaste como sentinelas da aurora”. 3. Fraternidade e diálogo: novas cruzes não são respostas para a paz 57. A cruz era um instrumento de violência na época de Jesus. A pena de morte era a cruz. O Império Romano mantinha uma ordem e uma paz aparentes com práticas autoritárias e violentas. Como estratégia militar e de conquista para manter a falsa paz, utilizavam, por vezes, a religião como instrumento de manutenção da hierarquia social. Em algumas situações, a própria religião dava força ao Império e cooperava com a manutenção do poder romano, aplicando a Lei acima da Graça. Era a forma de manter o controle sobre a vida das pessoas, em especial, das mais pobres que, pela opressão sofrida, eram CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 28 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 28 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 29 as que poderiam causar perturbação ao Império. Era a Lei religiosa que separava as pessoas puras das impuras, que identifi cava as pessoas doentes como pecadoras, que silenciava as mulheres, os pobres, os órfãos e tantos outros. As pessoas empobrecidas e que não se encaixassem nas normas eram obrigadas a viver do lado de fora dos muros da cidade. Jesus questionou essas estruturas de poder e desigualdade. As pessoas não poderiam ser descartadas e sofrer as consequências para a manutenção de um poder segregador. 58. Esse sistema de segregação e descarte de pessoas consideradas empecilhos e inúteis permanece ainda hoje. O camaronês Achille Mbembe,17 chama esse sistema de “necropolítica”,trata-se de uma política em que o Estado se julga soberano para escolher quem morre e quem vive. Na lógica da necropolítica, a humanidade do outro é negada. São estimuladas políticas de inimizade. A violência praticada pelo Estado é legitimada e justifi cada. No caso brasileiro, sinais da necropolítica são perceptíveis em setores da segurança pública que é altamente repressiva e violenta contra pessoas negras e pobres. Da mesma forma, pode-se ver a necropolítica na não regulação dos territórios indígenas, ou quando o governo brasileiro não adota políticas efetivas no combate à Covid-19. A necropolítica se volta contra as maiorias falsamente consideradas minorias: juventude negra, mulheres, povos tradicionais, imigrantes, grupos LGBTQI+, todas e todos que, por causa de preconceito e intolerância, são classifi cados como não cidadãos e, portanto, inimigos do sistema. 59. São muitas as cruzes presentes em nosso país. O quadro de violência ainda é agudo. Conforme dados do último Atlas da Violência 2020, publicado pelo IPEA,18 no período de 2017 a 2018, percebeu-se uma redução de 12% das taxas de homicício no país. Passou de 31,6% para 27,8% por 100 mil habitantes. Se a taxa de homicídios apresentou queda, o Atlas da Violência aponta que ocorreu uma 17 Achille Mbembe desenvolve este conceito em dois artigos, o primeiro, chamado “Necropolítica” e o segundo “Sobre el gobierno privado indirecto”. Ambos os artigos foram traduzidos e editados em espanhol por Elisabeth Falomir Archambault, Ed. Melusina, 2011. 18 Disponível em: https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/download/24/atlas-da-violencia-2020. CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 29 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 29 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 30 piora na qualidade dos dados de mortalidade. Um fator que chama a atenção é que o total de Mortes Violentas com Causa Indeterminada (MVCI) aumentou 25,6% em relação a 2017. Isso levanta a suspeita de que muitos homicídios não tenham sido notifi cados. No ano de 2018, foram registradas 12.310 MVCI. Isso representa 2.511 mortes em comparação a 2017. O ano de 2018 foi recordista em número de mortes violentas com causa indeterminada. No ano de 2018, foram assassinados no Brasil 30.873 jovens, ou seja, tivemos uma taxa de 60,4 homicídios para cada 100 mil jovens e 53,3% do total de homicídios do país. Percebe-se que ocorreu uma diminuição de 13,6% na taxa de homicídios e de 13,7% nos números absolutos. Apesar dessa redução, os homicídios ainda são a principal causa dos óbitos da juventude masculina. O grupo etário de 15 a 19 anos representou 55,6% do total de vítimas de homicídio em 2018. 52,3% das mortes foram de jovens de 20 a 24 anos; e 53,7% das mortes foram de jovens de 25 a 29 anos. No ano de 2018, 16 Estados apresentaram taxas de homicídios de jovens acima da taxa nacional de 60,4 por 100 mil habitantes. O estado de Roraima apresentou a maior taxa de homicídios de jovens do país, com o índice de 142,5 por 100 mil habitantes. Na sequência, estão Rio Grande do Norte (119,3) e Ceará (118,4). 60. Os índices de homicídio revelam o racismo que vigora no Brasil. Os índices de violência letal atingem mais a população negra do que a branca. Os jovens negros são as principais vítimas de homicídios no Brasil. A taxa de assassinatos de pessoas negras apresenta crescimento signifi cativo no transcorrer dos anos. No ano de 2018, os negros representaram 75,7% das vítimas de homicídio. A taxa de homicídio de pessoas negras entre 100 mil habitantes é de 37,8. Entre os não negros, a taxa de homicídio foi de 13,9. Esses números indicam que para cada pessoa não negra assassinada em 2018, 2,7 eram pessoas negras. 61. A redução no índice de homicídio registrada no período de 2017 a 2018, entre a população não negra não se percebe entre a população negra. Entre as pessoas não negras, a taxa de homicídios diminuiu 13,2%, enquanto entre a população negra foi de 12,2%, ou seja, 7,6% menor. O Atlas da Violência 2020 analisou os dados da última década CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 30 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 30 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 31 e identifi cou que a violência vivida pelas pessoas negras indica que as desigualdades raciais se aprofundaram. Entre 2008 e 2018, as taxas de homicídio aumentaram 11,5% para as pessoas negras, já para a população não negra ocorreu uma diminuição de 12,9% nos índices de homicídio. Praticamente em todos os estados brasileiros uma pessoa negra tem mais chances de ser morta do que uma pessoa não negra. 62. Com relação às mulheres, a realidade não é diferente. Em 2018, 4.519 mulheres foram assassinadas, representando uma taxa de 4,3 homicídios para cada 100 mil habitantes, ou seja, a cada duas horas uma mulher foi assassinada. Os dados do Atlas da Violência de 2020, indicam que, em 2018, há uma tendência de redução da violência letal contra as mulheres na comparação com os anos mais recentes. No entanto, ao se observar um período mais longo no tempo, é possível verifi car um aumento nas taxas de homicídios de mulheres em diversos estados. Entre 2008 e 2018, o Brasil teve um aumento de 4,2% nos assassinatos de mulheres. Em alguns estados, a taxa de homicídios em 2018 mais do que dobrou em relação a 2008: é o caso do Ceará, cujos homicídios de mulheres aumentaram 278,6%; de Roraima, que teve um crescimento de 186,8%; e do Acre, onde o aumento foi de 126,6%. 63. A análise dos dados de homicídios de mulheres pelo local de ocorrência permite observar que a taxa de homicídios na residência fi cou constante entre 2008 e 2013, aumentou 8,3% entre 2013 e 2018, havendo estabilidade entre 2017 e 2018. Considerando-se os homicídios ocorridos na residência como feminicídio, observa-se que 30,4% dos homicídios de mulheres ocorridos em 2018 no Brasil teriam sido feminicídios – crescimento de 6,6% em relação a 2017 –, indicando crescimento da participação da mortalidade na residência em relação ao total de mulheres vítimas de homicídio. 64. Com relação às mulheres negras, percebe-se que em 2018, 68% das mulheres assassinadas no Brasil eram negras. Enquanto entre mulheres não negras a taxa de mortalidade por homicídios, no último ano, foi de 2,8 por 100 mil habitantes, entre as mulheres negras a taxa chegou a 5,2 por 100 mil habitantes. A diferença fi ca ainda mais CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 31 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 31 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 32 explícita em estados como Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba, onde as taxas de homicídios de mulheres negras foram quase quatro vezes maiores do que de mulheres não negras. Em Alagoas, estado com a maior diferença entre mulheres negras e não negras, os homicídios foram quase sete vezes maiores entre as mulheres negras. 65. Esses números mostram o quanto a sociedade está estruturada no racismo e no patriarcado. As pessoas negras têm pouco acesso às políticas públicas, ao mesmo tempo em que sofrem extrema violência e repressão policial. No contexto da pandemia, registrou-se um signifi cativo aumento da violência doméstica. No estado de São Paulo, no mês de abril de 2020, observou-se o dobro de mortes de mulheres em comparação a abril de 2019.19 66. Além disso, as reformas da Lei Trabalhista e da Previdência Social são ataques aos direitos conquistados pelas mulheres em seus longos anos de lutas. O trabalho precarizado atinge principalmente as mulheres. São elas as primeiras a serem demitidas em tempos de crise. Com isso, lançam-se no mercado informal de trabalho, sem garantia alguma de direitos. Outro impacto importante a ser observado é em relação às trabalhadoras domésticas, na sua maioria negras. Elas ainda sofrem as consequências do sistema escravista do Brasil. O contexto da pandemia expôs essa face do Brasil. Um estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em parceria com a ONU Mulheres,20 alertou para a vulnerabilidade das trabalhadoras domésticas durante a pandemia da Covid-19. A partir de dados do Instituto Brasileiro de Geografi a e Estatística (IBGE), o estudo destaca que cerca de 70% de quem realiza trabalho doméstico, ou seja, 5,7 milhões são mulheres e não possuem Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) assinada. São mulheres que trabalham na informalidade e sem a cobertura de direitos importantes, como o acesso a 13º salário, seguro-desemprego, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e, ainda, a benefícios previdenciários. 19 Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2020-04/sp-violencia-contra-mulher-aumenta-449-durante-pandemia. 20 Publicado em 12/6/2020, por Letycia Bond, Repórter da Agência Brasil, São Paulo. CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 32 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 32 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 33 67. Os dados nos mostram quem são as pessoas atingidas pelo sistema de violência. As mulheres, em especial as negras e indígenas, são impactadas em todas as dimensões da sua existência. Observar esta realidade evidencia a necessidade de se discutir as questões de gênero, não se limitando à igualdade entre os sexos, mas, compreendendo que a libertação das mulheres da situação histórica de opressão passa pela discussão da propriedade privada, da divisão sexual do trabalho, da laicidade do Estado e da Teologia quando impõe um patriarcado como modelo divino de hierarquia social. Além disso, é importante salientar que as relações sociais de classe, de gênero, de raça, de etnia estão historicamente interligadas. 68. Outro grupo social que sofre as consequências da política estruturada na violência e na criação de inimigos, é a população LGBTQI+. O já citado Atlas da Violência de 2020, mostra que o número de denúncias de violências sofridas pela população LGBTQI+ registradas no Dique 100 no ano de 2018 foi de 1685 casos. Segundo dados do Grupo Gay da Bahia apresentados no Atlas da Violência 2020, no ano de 2018, 420 pessoas LGBTQI+ foram assassinadas, destas 164 eram pessoas trans. Percebe-se que em 2011 foram regitrados 5 homicídios de pessoas LGBTQI+. Seis anos depois, em 2017, este número aumentou para 193 casos. O aumento no número de homicídio de pessoas LGBTQI+, entre 2016 e 2017, foi de 127%. Estes homicídios são efeitos do discurso de ódio, do fundamentalismo religioso, de vozes contra o reconhecimento dos direitos das populações LGBTQI+ e de outros grupos perseguidos e vulneráveis. 69. Uma das falsas notícias que fortalece a violência é a retórica de que direitos humanos servem apenas para defender “bandidos”. Esse discurso fragiliza cada vez mais os instrumentos institucionais que contribuem para a justiça. 70. O Informe Anual 2019 da Anistia Internacional sobre Direitos Humanos nas Américas21 chamou a atenção para o fato de que 21 Anistia Internacional. Informe Anual 2019, p. 22 a 25. Disponível em: https://drive.google. com/drive/u/0/folders/1LMJCdWRmaCWYlR2Dp5RIURMiAfj o6huN. CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 33 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 33 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 34 no Brasil as violações de direitos humanos estão relacionadas com as abordagens policiais violentas, cuja consequência é o aumento dos homicídios cometidos por policiais em serviço, grave crise ambiental na Amazônia, que afeta, de maneira desproporcional, os povos indígenas, quilombolas e outras comunidades tradicionais, tentativas de restringir a atuação de organizações sociais e homicídios de ativistas de direitos humanos. 71. O Brasil está entre os quatro países que juntos somam 80% dos assassinatos de ativistas por direitos humanos no mundo. Em 2017, foram registradas 312 mortes no mundo, das quais 212 nas Américas. Em nosso país foram 156 casos.22 Entre os anos de 2018 e 2020, ocorreram casos emblemáticos de crimes contra ativistas de direitos humanos e lideranças públicas. Um deles com grande repercussão internacional, foi o assassinato da vereadora Marielle Franco e do seu motorista Anderson Gomes. Também Paulo Paulino, liderança do povo Guajajara, e outros três guardiões da Floresta do território indígena Arariboia – MA foram assassinados, por causa da sua defesa do território indígena. 72. Chacinas são recorrentes no Brasil e atingem pessoas em vulnerabilidade econômica e social. A grande maioria dos casos permanece sem solução e os responsáveis não são punidos. No mês de julho de 2019, Michelle Bachelet, alta comissariada ONU para Direitos Humanos, interpelou o governo brasileiro sobre o caso de Davi Fiuza, 16 anos, vítima, no ano de 2014, de desaparecimento forçado em Salvador – BA. Entre outras coisas, a alta comissariada solicitou explicações sobre o caso, cujo julgamento se deu em um Tribunal Militar, sem divulgação do resultado das investigações. 73. Provavelmente em sua região existem casos similares. Procure identifi cá-los. 74. Com o agravamento de situações de dominação e violência, percebemos uma realidade semelhante à dos tempos do profeta 22 Disponível em: https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/download/24/atlas-da-violencia-2020. CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 34 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 34 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 35 Habacuque, que da torre de vigia clamava “‘há violência por toda a parte!’, mas tu não vens nos salvar. Terei que ver estas maldades para sempre? Por que preciso ver tanta opressão? Para qualquer lugar que olho, vejo destruição e violência. Estou cercado de pessoas que discutem e brigam o tempo todo” (Hab 1,2-3). 4. Violência nunca será a saída 75. No contexto de crise e instabilidade, agrava-se também a violência contra a Casa que habitamos, o planeta Terra. O aprofundamento do sistema de acumulação de capital apropria-se dos “bens comuns”, como a terra, a água, as fl orestas, os minérios. Não se pode esquecer que tal sistema de acumulação é também um sistema de descarte. Descarta-se o excedente da produção e do consumo (lixo). O modo capitalista de produção, consumo e descarte, põe em risco a casa comum.23 76. A catástrofe ambiental continua a dar os seus sinais todos os dias: as temperaturas globais estão subindo causando ou agravando incêndios fl orestais, aumentando a temperatura das águas dos oceanos e o derretimento das geleiras, que estão sendo extintas em taxas altas e aceleradas. 77. A terra tem sido agredida de tal modo que as palavras do profeta Joel continuam atuais: “os campos estão devastados, as terras de luto, o trigo devastado, o mosto em falta, o azeite fresco, estancado. (...). Não desaparece o alimento diante dos nossos olhos e, na Casa do Senhor, a alegria e o júbilo? Os grãos ressecaram sob as glebas. Os silos estão devastados, os celeiros demolidos, pois o trigo está em falta. Como geme o gado! Os rebanhos de bois vagam; já não há pasto para eles. Até os rebanhos desfalecem. A ti, Senhor, eu clamo! O fogo devora as pastagens da estepe; a chama consome todas as árvores dos campos. Até os animais selvagens voltam-se para ti, os córregos estão secos e o fogo devora as pastagens da estepe” ( Jl 1,10; 1,16-20). 23 A casa comum foi tema da Campanha da Fraternidade Ecumênica 2016: “Casa comum, nossa responsabilidade”. Leia também a Encíclica Laudato Si’ para aprofundar este tema. CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 35 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 35 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 36 78. Para que se comece a mitigar as mudanças climáticas e a degradação ambiental, é urgente reduzir a emissão de gases produtores do efeito estufa, bem como o descarte de rejeitos em áreas de fl oresta, nos rios e oceanos. Para tanto, é necessário convencer os poucos que concentram a maior parte da riqueza a abrirem mão de parte dos seus ganhos e dos seus privilégios. Este é um trabalho árduo, pois, muitas empresas já colocam em seus cálculos de lucros e prejuízos os ditos “desastres ambientais”, que nada mais são do que os cálculos das indenizações a serem pagas por seus crimes em relação ao meio ambiente e à humanidade. 79. Entre agosto de 2018 e julho de 2019, houve um aumento de 29,5% do desmatamento na Amazônia. Foi desmatada uma área de 9762 km2, a maior em mais de uma década. As queimadas, invasões e o extrativismo ilegal violentam a vida na região e alteram todo o ecossistema local e os regimes de chuvas e equilíbrio climático no território nacional e em territórios estrangeiros. Devido a esse processo de ataques ambientais, os povos tradicionais, que têm uma vida ligada à convivência com a natureza, são retirados dos seus territórios de origem, seja pelos resultados dos crimes ambientais, seja para que grandes empresas desenvolvam atividades de extração mineral ou fl orestal e agora, mais recentemente, são entregues à própria sorte, abandonados quanto aos cuidados e prevenção do novo coronavírus. A pandemia da Covid-19 no Estado do Amazonas signifi cou a morte de muitas pessoas. Foram inúmeras as denúncias do aumento de casos de Covid-19 sobretudo entre a população indígena. 80. A Articulação Brasileira dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) denunciou a subnotifi cação dos dados relacionados à contaminação pela Covid-19 nas populações indígenas. A Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) contabiliza apenas os casos notifi cados em terras indígenas homologadas. A compilação de dados da APIB tem sido feita pelo Comitê Nacional de Vida e Memória Indígena e pelas Organizações indígenas de base da APIB. Essa compilação incluiu povos indígenas que vivem em áreas urbanas e aquelas populações que ainda não têm terras homologadas. Para isso, servem de referência os dados CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 36 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 36 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 37 das Secretarias Municipais e Estaduais de Saúde e do Ministério Público Federal. No dia 4 de julho, havia 11.270 casos confi rmados entre povos indígenas, sendo que 418 indígenas morreram. O número de povos indígenas afetados é de 120.24 Para as organizações indígenas, a pandemia representa um novo genocídio para seus povos. 81. A violência contra a terra e os povos originários é, muitas vezes, legitimada por um discurso religioso reativo, que no centro da crise e das situações de instabilidade, recorre a suas relações fundamentais de dominação. Sob a forma de missões ou sob a pretensa justifi cativa de espalhar a fé em Jesus, grupos missionários invadem os territórios indígenas desrespeitando e deslegitimando o modo de viverem a sua fé, associando-a a algo demoníaco. A religião é manipulada para promover limpeza étnica com o objetivo de liberar os territórios dos povos originários e tradicionais para as mineradoras, por exemplo. 5. Racismo e violência religiosa 82. O Brasil é um país plural do ponto de vista cultural, étnico e religioso. Fomos acostumados a transitar em vários meios e interagir com pessoas de diferentes origens e credos. Dizia-se até que vivíamos em um paraíso racial. 83. No entanto, o “mito da democracia racial” caiu por terra. Está fartamente provado que o racismo é um dos elementos estruturantes da sociedade brasileira, o que fi ca evidenciado na população carcerária, majoritariamente negra. De acordo com banco de dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), até julho de 2020, cerca de 882.309 pessoas estão privadas de liberdade em penitenciárias federais e estaduais, cadeias públicas, colônias agrícolas e industriais, casa de albergado e delegacias.25 Esse número abrange também pessoas que cumprem medida de segurança. No mesmo sentido, segundo dados do Levantamento do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), em 24 Disponível em: https://covid19.socioambiental.org/. 25 Dipsonível em: https://portalbnmp.cnj.jus.br/#/estatisticas. CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 37 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 37 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 38 setembro de 2019, havia no Brasil 18.086 adolescentes em privação de liberdade por tempo indeterminado.26 Se usarmos o número de pessoas presas do CNJ e a previsão populacional do país para abril de 2020, teremos uma quantidade aproximada de 417,45 pessoas encarceradas para cada 100 mil habitantes. Esses dados colocam o Brasil na 3ª posição do ranking mundial em número geral de pessoas encarceradas. 84. A população encarcerada apresenta um nítido perfi l socioeconômico que denuncia a prática de violação dos direitos básicos à expressão da vida em sua integralidade. Em pesquisa realizada pelo CNJ no ano de 2018, do total populacional, à época, cerca de 54,96% foram classifi cados como pretos ou pardos, enquanto 42,03% foram identifi cadas como pessoas brancas. Quanto à faixa etária das pessoas privadas de liberdade no país, 30,52% têm tem entre 18 e 24 anos e 23,39% entre 25 e 29 anos de idade, demostrando que mais da metade da população carcerária registrada é jovem. Sobre a escolaridade, 2,51% foram classifi cadas como não analfabetizadas, 24,04% com ensino fundamental incompleto e 52,27% com ensino fundamental completo. Apenas 0,83% alcançaram o ensino superior completo. É de se evidenciar que 78,82% da população carcerária sequer alcançou o ensino médio.27 Esses dados atestam, claramente, o direcionamento seletivo e racista do sistema penal e a decomposição ética da gestão pública e do trato com a situação dos excluídos da sociedade.28 85. Os choques entre comunidades, grupos e organizações sociais têm como um de seus fundamentos a questão do preconceito étnico e racial. O ódio ao diferente, dirigido contra pessoas por causa de traços físicos, expressões culturais, vestimentas, língua, vocabulário, dança e religião, encontra nessas características justifi cativa sufi ciente para a violência e para a perseguição. Casos de xenofobia foram denunciados no Brasil durante a pandemia de Covid-19. No dia 17 de 26 Disponível em: https://www.cnmp.mp.br/portal/todas-as-noticias/12528-levantamento-do- -cnmp-indica-que-ha-superlotacao-em-unidades-de-atendimento-socioeducativo-no-brasil. 27 Disponível em: https://portalbnmp.cnj.jus.br/#/estatisticas. 28 Informações fornecidas pela Pastoral Carcerária. CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 38 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 38 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 39 maio, o imigrante angolano João Manuel foi esfaqueado29 por causa de uma discussão relacionada ao Auxílio Emergencial. Na compreensão de quem o assassinou, ele não teria direito de acessar esse recurso por ser estrangeiro. Da mesma forma os casos de intolerância religiosa contra tradições de matriz africana têm sido permanentemente denunciados como racismo religioso. No primeiro semestre de 2019, o aumento de casos de intolerância religiosa foi de 56% em comparação ao mesmo período de 2018. No que diz respeito à intolerância contra religiões de matriz africana chegamos a registrar 61 casos.30 86. Esse tipo de violência mostra o quanto não cumprimos com o mandamento de não violentar os estrangeiros (Ex 22,21). É difícil assumir o compromisso de amar os estrangeiros como se fossem do mesmo povo (Lv 19,33-34). É um mandamento tão importante que é lembrado por Jesus no Evangelho de Mateus, quando afi rma que “eu fui um estrangeiro e vocês me hospedaram em sua casa” (25,35). 87. Em contextos fundamentalistas e de extremismos, tanto a população negra quanto os povos indígenas precisam diariamente identifi car estratégias para viver a sua tradição religiosa. A perseguição a estes povos é a perpetuação do racismo disfarçado de intolerância religiosa. Aproximadamente 12,5 milhões de pessoas africanas foram embarcadas nos navios negreiros para serem escravizadas. Pelo menos 1,8 milhão dessas pessoas morreram na travessia do Atlântico.31 88. Essas pessoas foram sequestradas de suas famílias, sua cultura, sua terra e por vezes isso acontecia, tal qual no Império Romano, com o apoio da religião. Não foram reconhecidas como seres humanos. Escravização e racismo são cruzes diariamente fi ncadas entre populações negras e indígenas para a manutenção de privilégios para uma elite bem restrita, que é branca, cuja riqueza, em alguns casos, é 29 Disponível em: https://www.migramundo.com/associacoes-e-dpu-reagem-contra-morte- -de-angolano-em-sp-e-outros-atos-de-xenofobia/. 30 Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2020/01/21/denuncias-de-intolerancia-religiosa-aumentaram-56-no-brasil-em-2019. 31 GOMES, Laurentino. Escravidão. Do primeiro leilão de cativos em Portugal até a morte de Zumbi dos Palmares. Vol 1. Rio de Janeiro: Ed. Globo, 2019, p. 19. CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 39 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 39 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 40 originária da escravização de pessoas africanas em tempos passados e que deseja a garantia de sua hegemonia econômica, política e social. 89. Tanto para o povo negro quanto para os povos indígenas, a sua religiosidade tradicional signifi ca a resistência e é fonte de vida. Sempre que alguém, em nome da fé cristã, incentiva o ataque a estas tradições, está rompendo com o projeto de paz que representa a fé em Jesus Cristo. 90. A intolerância religiosa é impulsionada para justifi car uma moralidade falsa e a prática da violência. A intolerância religiosa é consequência dos muros que nos separam: o racismo, o fundamentalismo do mercado e a xenofobia. 91. A mensagem de Jesus não ergue muros, mas derruba-os, não é de ódio, mas de amorosidade. Por isso, precisamos expurgar a insensatez dos nossos corações e rever a forma como vivemos a nossa fé. Precisamos de profecias que abram nossos olhos para as desigualdades, principalmente para aquelas promovidas em nome da fé em Jesus Cristo. 92. Precisamos de profecias que anunciem a esperança, que reafi rmem o fundamento da fé e que gerem vida e não violência. Qual seria este caminho? Onde podemos fi rmar os pés para derrubar esses muros? A que princípios devemos nos apegar para superar divisões que colocam semelhantes em inimizade? Quais os princípios que podem contribuir para superar os discursos que legitimam o ódio e a prática da violência? Como constituir, com base no amor, um só povo em sua diversidade? 93. A fé em Jesus Cristo, nos anima para a esperança, por isso, oremos: 94. “Agora, o que mais importa é renascer na esperança. É renascer, renascer na esperança. Já não existem mais raças, não mais os muros da cor, nas ruas e pelas praças louvamos Nosso Senhor. E já não valem as classes com tristes separações. Agora todos têm faces e unidos os corações”.32 32 Música “Renascer na Esperanca” de Jaci Maraschim e Flávio Irala. CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 40 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 40 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 41 SEGUNDA PARADA EGUNDA PARADA “Carta para pessoas de boa vontade em Carta para pessoas de boa vontade em um mundo cheio de barreiras e divisões” m mundo cheio de barreiras e divisões” 1. Ficou com eles, abriram os olhos e o reconheceram 95. Compartilhar uma experiência, rememorar, recordar, perceber a mão amorosa e cuidadora de Deus na história de vida de pessoas e comunidades ajuda a construir identidade, a estabelecer balizas que orientarão nossas decisões, escolhas e relações. Ter uma história a contar fortalece a esperança, potencializa a paixão pela vida e humaniza. 96. Relembrar é fundamental para não esquecermos quem somos, de onde viemos, o que nos mantém em pé e nos fortalece em meio às adversidades. Um exemplo bonito desse exercício está em Deuteronômio (6,20-21): “E amanhã, quando teu fi lho te perguntar: ‘Por que estas exigências, essas leis e esses costumes que o Senhor, nosso Deus, vos prescreveu?’. Dirás a teu fi lho: ‘Éramos escravos do Faraó no Egito, mas com a mão forte, o Senhor nos fez sair do Egito’”. A Igreja Cristã, que nasce em Pentecostes, é a continuidade da história do relacionamento de Deus com seu povo, conforme está registrado no Primeiro Testamento. Já no Segundo Testamento, a Igreja é testemunha da ação de Deus na pessoa de Jesus Cristo (Lc 4,16-30). Por isso, tem a tarefa de constantemente rememorar e contextualizar o que Jesus Cristo ensinou, fez e sofreu. 97. Por vezes, em nome da fé, se mata ou se fomenta a vida, promovem-se guerras ou paz. A fé é diretriz de conduta, tanto para o bem quanto para o mal. Determina a ação, a história, o destino de pessoas e nações. Por isso, é fundamental perguntar pelo seu conteúdo e pelos seus valores. 98. O lema da CFE 2021 foi retirado da Carta à comunidade de Éfeso, uma cidade localizada no Mediterrâneo. No tempo em que a CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 41 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 41 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 42 carta foi escrita, estava em curso a política da “Paz Romana”. Era uma paz apenas no nome, porque esta política era uma estratégia do Império Romano para impedir que as pessoas se opusessem às suas leis. Se as pessoas se organizassem para falar sobre a opressão vivida, eram reprimidas à força. Portanto, a Paz Romana, era sinônimo de violência e exploração institucionalizada. Bem diferente da paz que Jesus oferece. 99. Depois da morte e ressurreição de Jesus Cristo, muitas coisas aconteceram e marcaram a vida das comunidades, como está registrado no livro de Atos dos Apóstolos. Entre adesões, confl itos e perseguições, o Evangelho se espalhou por todo o território do Império. Havia no interior das comunidades um problema grave, que era a forte tensão entre as pessoas cristãs oriundas do judaísmo e as vindas de outras etnias, culturas e religiões, chamadas de gentios. 100. Quando alguém assumia a mensagem do Evangelho se comprometia com um novo modo e sentido de vida, que não se orientava mais pela violência, pelas hierarquias e pelas exclusões e discriminações. A opção pelo Evangelho trazia consigo a busca pela compreensão mútua e um processo de conversão. Era muito mais do que uma expansão geográfi ca do cristianismo da Palestina para outras regiões do Império Romano. 101. As cartas paulinas testemunham o enorme esforço para realização desse avanço através da tentativa de entender, em cada momento e circunstância, qual é a vontade de Deus. Além de Paulo, muitas pessoas contribuíram para o avanço na compreensão mútua entre os diferentes cristãos e cristãs da igreja primitiva. Entre elas destacamos Tecla, Barnabé, Áquila, Lídia, Priscila, Apolo, Timóteo entre outros. 102. Ao se comprometer com a mensagem do Evangelho, essas pessoas não se orientavam pela observância da Lei, cuja função social servia para demarcar uma separação entre Israel e as demais nações (Gl 2,1-12). As pessoas que aceitavam o Evangelho derrubavam o muro da separação e construíram um mundo de comunhão na gratuidade do amor de Deus, que acolhe e perdoa (Rm 8,1-4.31-32; At 4,36-37; Ef 2,17-18; 3,6). CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 42 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 42 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 43 103. Em 68 d.C. guerras civis começam a surgir pelo Império. Nessa ocasião, Nero era o imperador. Sob seu domínio, três acontecimentos foram marcantes: 1. A perseguição a pessoas cristãs em Roma (64 d.C.); 2. o levante e o massacre dos judeus em várias partes do Império, principalmente no Egito (66 d.C.); 3. a revolução judaica na Palestina em 66 d.C., que levou à brutal destruição de Jerusalém pelos romanos em 70 d.C. 104. Nesse contexto, judeus e cristãos perderam direitos, corriam risco de vida e alguns foram martirizados. A razão do martírio era a adesão incondicional à causa de Jesus, que confl itava com o projeto de dominação do Império. 105. O livro dos Atos dos Apóstolos mostra que quem sentia seus interesses prejudicados pelo novo modo de vida das pessoas cristãs conseguia mobilizar as instituições do Império contra quem assumia o Evangelho (13,50; 15,5-19; 16,19-24; 17,5-8; 18,12; 19,23-40). 106. As pessoas que abraçavam a fé em Jesus Cristo eram minoria e, mesmo assim, representavam uma ameaça para o Império. Por essa razão, todos os apóstolos, exceto João, foram martirizados e também muitas mulheres por causa de seu testemunho. A morte dessas lideranças signifi cou a fragilização da memória histórica das primeiras comunidades e exigiu a renovação das lideranças. No entanto, essas novas lideranças tinham pouco conhecimento histórico do movimento de Jesus, o que gerou uma busca para registrar toda a memória e mantê-la viva na oração comunitária. 107. Depois do ano 70 d.C., por causa da migração e do comércio marítimo foi surgindo no Império Romano um conjunto grande de novas doutrinas e religiões, que misturavam diferentes tradições religiosas. Esse cenário cultural e religioso diverso causava instabilidades. As comunidades cristãs viviam nesse contexto plural. Também entre elas essas novas formas de experiência de fé provocavam tensões e confl itos. Para agravar essa situação, que já não era fácil, separados dos judeus, os cristãos tornam-se alvo de perseguições cada vez mais fortes, por parte do Império Romano. No fi m do primeiro século, sob CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 43 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 43 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 44 o governo de Domiciano, os cultos de mistério e o cristianismo são declarados Religio Illicita (Religião ilícita). 108. As comunidades cristãs eram diferentes entre si, mas partilhavam a crença de que Jesus de Nazaré, o Cristo, é o fi lho de Deus. As histórias do Segundo Testamento, indicam que essas pessoas viviam a expectativa do fi m do mundo em solidariedade e partilha (At 2,42). Elas tinham como horizonte a necessidade de estabelecer a comunhão entre as diferentes comunidades socorrendo umas às outras na necessidade. A vida em comunidades e a convivência com a estrutura do mundo Greco-Romano começaram a ameaçar a fi delidade ao projeto proposto pela evangelização do apóstolo Paulo. Surgiram confl itos internos e externos. 109. As comunidades da Ásia Menor, formadas por pessoas cristãs oriundas do judaísmo e por grupos de pessoas originárias de religiões politeístas, enfrentavam o desafi o de conviver pacifi camente. Apenas assim poderiam ser respeitadas pelas pessoas que não pertenciam à comunidade cristã. O apóstolo Paulo, várias vezes orientou as primeiras comunidades a viver a unidade na diversidade. Podemos ler uma dessas orientações na Carta aos Gálatas: “não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há homem nem mulher, mas sois um em Cristo Jesus” (3,28). 110. Não era fácil alcançar esse ideal. Internamente, as comunidades cristãs viviam confl itos causados pela falta de compreensão mútua entre judeu-cristãos e gentios-cristãos. Para as pessoas judias convertidas à fé cristã, a lei era fundamental. Para elas, Cristo não trouxe uma nova Aliança, mas simplesmente tornou universal a Lei. Compreendiam o cristianismo como continuidade da fé judaica. Por isso, viam a forma das pessoas oriundas de outras tradições religiosas como ameaça. 2. A diversidade que conduz à unidade 111. A Carta à comunidade de Éfeso é uma orientação que aponta caminhos de superação desse dilema que dividia os cristãos. CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 44 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 44 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 45 O conteúdo principal da carta é a ênfase na unidade. Ao acentuar, pois, o valor da unidade, suspeita-se que os confl itos e as desuniões surgiam entre os dois grupos que formavam a comunidade: o dos judeu-cristãos e o dos gentios-cristãos. 112. Na Carta aos Efésios, encontramos a insistência na afi rmação de que “Cristo é a cabeça”. A primeira vez em que essa expressão aparece é no hino, dissolvido no texto de abertura da carta (Ef 1,3-14). Esse hino é uma grande oração de bendição ao nome de Deus. Lemos nos versículos 1,9-10: “Ele nos fez conhecer o mistério de sua vontade, o desígnio benevolente que de antemão determinou em si mesmo para levar os tempos à sua plenitude: reunir o universo inteiro sob um só chefe, Cristo, o que está nos céus e o que está sobre a terra”. Lemos na segunda parte da Carta (4,15-16): “Mas, confessando a verdade no amor, cresceremos sob todos os aspectos em direção àquele que é a cabeça, Cristo. E é dele que o corpo inteiro, coordenado e bem-unido graças a todas as articulações que o assistem, com uma atividade distribuída segundo a medida de cada um, realiza o próprio crescimento para construir-se a si mesmo no amor”. As afi rmações apontam Cristo como cabeça do Corpo, que é a comunidade. É um caminho de superação da crise que as comunidades estavam vivendo. Jesus Cristo é o centro da fé e unifi ca a comunidade apesar das diferenças, pois convoca à experiência do amor que nos une. 113. A fé em Jesus Cristo é o vínculo que une a comunidade e garante que experimentemos os sinais do Reino de Deus entre nós: o amor, a benevolência, o perdão, a liberdade e a graça (Ef 1,3-8). Para superar os confl itos oriundos das ameaças do contexto social mais amplo, a orientação é que pratiquem solidariedade mútua e compreendam que estão integrados ao edifício cuja pedra fundamental é Cristo. Por isso, as pessoas que compõe a comunidade precisam reconhecer- -se como concidadãos e concidadãs do povo de Deus (Ef 2,19-20). Desse modo, os cristãos e as cristãs não devem esperar nada de espetacular, que não seja o humilde exercício da fé solidária que é o serviço mútuo. CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 45 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 45 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 46 3. Como e o que testemunhar 114. É na sequência desses eventos e no meio desse contexto histórico-social, que lemos “Cristo é a nossa paz: do que era dividido fez uma unidade” (Ef 2,14). Essa frase é uma confi ssão de que a fé em Jesus Cristo não é motivo para divisões e confl itos, mas é a inspiração maior para a convivência e o diálogo. 115. O lema da CFE 2021 afi rma: “Porque ele é a nossa paz, o qual de ambos os povos fez um”. O versículo faz menção a uma parede no Templo de Jerusalém, que dividia o pátio separando de um lado os judeus de outro os gentios. Daí a beleza e a força desta expressão: “tendo derrubado a parede da separação/inimizade”. Uma inscrição naquela parede advertia que os gentios poderiam ser condenados à pena de morte, caso entrassem no pátio destinado aos judeus. Essa parede e a separação causada por ela são usadas pelo autor da Carta para tipifi car que em Cristo o muro tinha sido derrubado. A partir de então, as pessoas podem viver em comunhão e diálogo plenos. 116. Diante da situação enfrentada pelas pessoas cristãs, espalhadas pela oikoumene (Terra habitada), a voz do apóstolo Paulo se faz ouvir, porque o seu testemunho é conciliador e promotor da unidade na diversidade. A diversidade não é razão para confl itos. Ao contrário, existem outras questões com as quais a comunidade precisava se preocupar, como as constantes violências e perseguições promovidas pelo Império Romano. 117. A afi rmação “Cristo é a nossa paz” confessa que em Cristo não há lugar para a violência e o racismo, para o ódio e a discriminação. A palavra paz na língua grega é eirene; em hebraico, shalom e no aramaico sholom. Nos três idiomas, a paz signifi ca tanto superação das violências e das discriminações, quanto a plenitude de vida, consequência de relações equânimes entre o ser humano e a natureza, o ser humano e seus semelhantes e o ser humano e Deus. Isso signifi ca que Cristo é aquele que garante as relações de equidade e acolhida entre todos os povos. A paz será fruto da vida em plenitude garantida para todos os povos. CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 46 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 46 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 47 118. Para a cultura hebraica, paz é sinônimo de vida plena, o que signifi ca ter o acesso a tudo o que é necessário para a subsistência. É o que diz o Salmo 128: Paz é a fartura que se concretiza no fruto da terra, pelo esforço do camponês (Sl 128,1-2). Paz está presente nas famílias ou grupos de amigos e amigas que felizes se sentam ao redor da mesa para banquetear celebrando a vida, dom de Deus (Sl 128,3). Revela-se nas vidas do avô e da avó que veem seus netos crescerem (Sl 128,6a). A paz é a vida em plenitude, vida em paz (Sl 128,6b) que devemos desejar para todos os povos. 119. Essa condição de vida pacífi ca e em equidade, e que as tradições indígenas chamam de “bem viver”, é sinal do Reino de Deus. Fraternidade e diálogo são expressões de paz, de plenitude, pois, se não fosse assim, difi cilmente os cristãos teriam conseguido sobreviver. Seria impossível continuar a existir sem diálogo. 120. Entendemos que fraternidade e diálogo são desafi os de amor. Devemos nos engajar agora, na comunidade e no lugar onde vivemos. Acreditamos que Cristo é a esperança do estabelecimento defi nitivo da fraternidade e da paz. Podemos aprender algumas lições da experiência da comunidade de Éfeso, vejamos a seguir. 4. Enraizados no amor misericordioso de Deus revelado em Cristo Jesus! 121. A carta à comunidade de Éfeso contém uma refl exão fundamental sobre a natureza da Igreja. A Igreja nasce da graça misericordiosa de Deus revelada em Cristo (Ef 2,4-5). A Igreja é sinal da salvação para a humanidade. A carta convida a mergulhar nas profundezas da relação entre Deus e a humanidade. O autor da Carta destaca Deus como Mistério (1,9; 3,4-9; 5,32; 6,19). Isso signifi ca que não há como defi nir a totalidade de Deus com palavras humanas. A Igreja, como Corpo de Cristo, deve esforçar-se para expressar essa unidade na diversidade. Ela é parte de uma história concreta, enraizada no amor de Deus, presente na trajetória de muitos povos, de Abrãao, de Sarah, de Agar. CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 47 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 47 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 48 122. O hino que abre Efésios é a síntese da refl exão que está desenvolvida ao longo de toda a carta. Deus é a fonte de toda bênção em Cristo, que foi derramada sobre nós. Por isso, podemos orar: “Bendito seja Deus que nos abençoa em Cristo”. 1ª bênção: Deus nos escolheu antes da fundação do mundo (1,4). 2ª bênção: Deus nos predestinou para sermos seus fi lhos (1,5). 3ª bênção: Deus nos libertou, perdoando-nos e derramando sua graça (1,7-8). 4ª bênção: Em Cristo tudo confl ui, o céu e a terra (1,9). 5ª bênção: Em Cristo nos tornamos herdeiros (1,11). 6ª bênção: No Espírito Santo, temos o penhor de nossa herança e salvação (1,13.14). 123. A bênção, na Bíblia, não é algo mágico ou supersticioso, mas um modo concreto de comunicar a vida. No hino de bendição, Deus abençoa a humanidade com a graça da revelação em Cristo. Por sua vez, a humanidade, ao acolher a Boa-Nova do Evangelho, bendiz e vive esta bênção. Esta é a forma mais coerente de participar da harmonia da oikoumene, casa comum. 124. O que a carta pretende é reforçar a dignidade e a confi ança das pessoas cristãs na afi rmação da sua identidade em um contexto social e político que nega o seu direito à existência com a imposição de um poder autoritário presente com força física e simbólica. Isso signifi ca que as pessoas cristãs não devem combater pessoas de outras tradições religiosas, mas acolhê-las e amá-las como Cristo o fez. 5. O Evangelho é força de Deus que derruba os muros 125. O Evangelho da graça e da misericórdia revela-se como a força de Deus, que derruba os muros do preconceito que separam os judeus dos gentios. Graças ao fi m das divisões, as pessoas podem sentar-se em torno de uma mesa comum e partilharem juntas o pão! O apóstolo Paulo ressalta (Gl 2,11-21) que a fé em Jesus Cristo não CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 48 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 48 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 49 coaduna com a ideia de que haja sequer a possibilidade de algum grupo agir com superioridade em relação a outro. Efésios (2,1-10) alerta para a necessidade premente de se aceitar plenamente as pessoas, que são diferentes, e ver nas diferenças a riqueza do corpo de Cristo. Não é possível estar com Deus e, ao mesmo tempo, discriminar e desrespeitar as outras pessoas por causa das suas diferenças étnicas, religiosas ou de gênero. 126. Efésios (2,14-18) tem como moldura as passagens: (2,11-13) e (2,19-22), que chamam a atenção para a necessidade de abolir a separação entre os não circuncidados (gentios) e os circuncidados (judeus). Em Cristo, essa divisão foi eliminada, pois todas as pessoas, independentemente de sexo, classe social ou etnia, são iguais. Na primeira parte (Ef 2,11-13), predominam afi rmações que negam a dignidade do outro: “lembrai-vos portanto de outrora, vós que trazíeis o sinal do paganismo em vossa carne, vós que éreis chamados de ‘incircuncisos’ por aqueles que se pretendem ‘circuncisos’ em consequência de uma operação praticada na carne, lembrai-vos de que, naquele tempo, éreis sem Messias, privados de cidadania em Israel, estranhos às alianças da promessa, sem esperança e sem Deus no mundo. Mas agora, em Jesus Cristo, vós que outrora estáveis longe, fostes tornados próximos pelo sangue de Cristo”. Na segunda parte (Ef 2,19-22), entretanto, a ênfase é na Igreja como comunidade unida em diversidade. Reafi rma-se uma cultura político-social de acolhida e inclusão: “Assim, não sois mais estrangeiros nem migrantes; sois concidadãos dos santos, sois da família de Deus. Fostes integrados na construção que tem como fundamento os apóstolos e os profetas, e o próprio Jesus Cristo como pedra mestra. É nele que toda a construção se ajusta e se eleva para formar um templo santo no Senhor. É nele que vós também sois, todos juntos, integrados na construção para vos tornardes morada de Deus pelo Espírito”. Desde sempre, o propósito de Deus era de um mundo em unidade. A Carta aos Efésios destaca que “os pagãos são admitidos à mesma herança, membros do mesmo corpo, associados à mesma promessa, em Jesus Cristo, por meio do Evangelho” (Ef 3,6). O muro que dividiu judeus e gentios foi derrubado CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 49 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 49 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 50 (Ef 2,14-16). Por causa de Cristo, a Igreja existe para ser o lugar onde os povos separados se encontram como um (Ef 2,17-22). A superação dessas hostilidades não foi meramente um produto colateral do Evangelho, muito menos um desvio do sentido do Evangelho, mas é a sua concretização. A Boa-Nova desafi a para experiências de superação de ódios, exclusivismos, preconceitos e exclusões. 6. Cristo é a nossa paz! 127. Nas bem-aventuranças, em Mateus (5,9) se diz: “a pessoa que promove a paz é chamada de fi lho e fi lha de Deus”. Compreendemos através do evangelista João que a “paz é dom do Cristo ressuscitado” (Jo 20,26). A paz é uma condição do reino de Deus (Rm 14,17). O Evangelho promove a paz e a comunidade confessa que Cristo é a paz que derruba os muros de separação e reconcilia as pessoas inimigas (Ef 2,11-14). 128. O testemunho bíblico a respeito da paz é extremamente rico e nos desafi a a entendermos o Evangelho como “promoção de paz”. Ao avistar a cidade de Jerusalém, Jesus chorou, porque ela desconhecia aquele que poderia lhe prover a paz (Lc 19,41s). 129. A paz, shalom, é um tema genuinamente bíblico. Muito mais do que a mera ausência de guerra, é a realidade de salvação expressa na promessa profética do “Príncipe da Paz” (Is 9,6; Mq 5,4-5). Na visão do Reino Messiânico, a promessa de paz inclui até os animais selvagens (Is 11,1-9). O salmista confessa em sua prece que amor e verdade se encontram, justiça e paz se abraçam (Sl 85,8-14). Isso é a certeza da presença de Deus no meio do povo, que impele a viver os valores relacionados com essa presença que é amor, verdade e justiça. 130. A história da salvação tem uma dimensão social, que se fundamenta em Deus. Isso fi ca claro quando se diz que judeus e gentios, agora reconciliados “em um só espírito”, reconhecem Deus como Pai. A paz, enquanto reconciliação com Deus (Ef 2,15ss), traz algo novo, que em Efésios (1,5) é expresso pela palavra-chave “adoção”: Um novo relacionamento com Deus, que tal qual Pai de Jesus Cristo é também Pai de todas as famílias (Ef 3,15). CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 50 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 50 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 51 131. A paz que brota da fé em Cristo é a superação da inimizade e do ódio. Ela promove a unidade (Ef 4,1-6), enquanto o ódio provoca inimizades e agressões e a guerra mata e destrói. A paz permite cuidar e reconstruir a convivência social – “sois da família de Deus” – irmãos e irmãs (Ef 2,19)! Paz imposta sob a arbitrariedade de governos que subjugam é aquela Paz Romana, que não é estendida a todas as pessoas. 132. Em Efésios (4,13), o autor escreve que as pessoas cristãs não podem permanecer eternas crianças na fé, mas devem amadurecer na fé em Cristo. O que evidencia a maturidade cristã e o seguimento a Jesus Cristo é a capacidade de amar cada pessoa próxima incondicionalmente. Amar incondicionalmente signifi ca não impor restrições para amar o próximo. Deus não estabeleceu critérios para amar. Deus ama toda a humanidade. Efésios (4,14-15) diz: “Assim, nós não seremos mais crianças, jogados de um sentimento a outro, arrastados à deriva por todo o vento de doutrina, ludibriados pelos homens e induzidos pela sua astúcia a transviarmos no erro. Mas, confessando a verdade no amor, cresceremos sob todos os aspectos em direção àquele que é a cabeça, Cristo. Mas, seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é o cabeça, Cristo”. As pessoas cristãs são conclamadas a viverem irrepreensíveis em amor (1,4), a zelar pela unidade (4.1-6), a viverem em aperfeiçoamento e fortalecimento do amor (3,17-19; cf. 4,12). Os ensinamentos de Jesus nos Evangelhos nos comprometem à prática do amor ( Jo 15,12-13; Mt 5,43-46a), do diálogo (Lc 19,1-10; Mc 7,24-30; Jo 4,1-26), do perdão (Lc 11,1-4; Jo 8,1-11), da compaixão (Lc 13,10-17; Mc 5,25-43), do convívio ( Jo 4,39-42; Jo 2,1-11). Jesus também ensina que devemos ser resistência profética contra os poderes dominadores que escravizam e subjugam (Lc 4,1-13; Mt 12,1-8; Jo 14,13-21). Tendo Cristo derrotado esses poderes, todos somos livres para praticar a equidade, a inclusão e a unidade na diversidade. Em Efésios (1,21-23), são apontadas as estratégias para estas outras possibilidades de relações sociais: a verdade revelada pela prática da justiça, o Evangelho da paz, a fé, a Palavra de Deus, as orações e as súplicas. CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 51 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 51 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 52 7. O orgulho religioso levanta muros 133. Efésios (2,1-10) chama a atenção dos gentios, que assumiram a fé em Jesus Cristo, para que não repitam o mesmo erro da comunidade de judeus que, mesmo vivendo sob a graça da Boa-Nova, ainda se orientavam pela Lei excludente. O autor da Carta aos Efésios ensina que orgulho religioso é contrário ao Evangelho, porque gera sectarismo e não a unidade. O autor relembra a rejeição que as comunidades de não judeus, seguidoras de Jesus, sofreram por parte dos judeus (2,8-13). A todo o momento que fala aos gentios, o escritor usa a expressão “vocês”, mas sabiamente, ao se referir a Cristo, inclui-os no grupo, e fala de “nós”. O alerta para o orgulho, que produz divisões, pode ser percebido em afi rmações como “com efeito, é pela graça que vós sois salvos por meio da fé; e isso não depende de vós, é dom de Deus” (2,8). Esse alerta é perfeitamente justifi cado com a afi rmação “pois é ele quem nos fez; nós fomos criados em Jesus Cristo para as boas obras, que Deus preparou de antemão, a fi m de que nelas nos empenhemos” (2,10). 134. Dos muitos signifi cados e interpretações que podemos captar e discutir a respeito da unidade possível, indicamos, em especial, a união entre judeus e não judeus pela Criação, desde o princípio de tudo, uma obra divina (2,9-10). Enquanto criaturas, formadas por Deus, “criadas em Cristo”, temos como ponto de partida um conteúdo comum: somos seres vivos, participantes da Criação, do projeto divino de vida. 8. A paz em Cristo 135. Se, desde o princípio, somos obra-prima de Deus e fruto de sua Criação, agora, em Cristo, os “muros de inimizade”, construídos pelo orgulho, produtor de divisões, foram derrubados. Esta é a Boa- -Nova. Temos experiências práticas de que já experimentamos a derrubada dos muros. Alguns exemplos mostram que esta experiência é possível. A experiência ecumênica nos possibilita conviver e aprender com irmãos e irmãs de diferentes confi ssões, com isso criamos pontes CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 52 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 52 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 53 entre as confessionalidades. Isso proporciona uma transformação na própria Criação – uma nova humanidade –, “Cristo é a nossa paz: do que era dividido fez uma unidade” (2,14a). Ele, com sua vida, “em sua carne destruiu o muro de separação: o ódio. Ele aboliu a lei e os seus mandamentos com Deus, ambos em um só corpo, por meio da cruz com suas observâncias. Ele quis assim, a partir do judeu e do pagão, criar em si um homem novo, estabelecendo a paz” (2,15). Dessa forma, se havia instituições e práticas comunitárias que separavam os grupos, a paz em Cristo muda essas relações no interior da própria Criação. Agora somos em “Cristo um só corpo” (2,16b). 136. Em Cristo, a Boa-Nova de paz é oferecida para todas as pessoas a fi m de se construir uma nova humanidade, que não esteja dividida, nem orientada pela violência e pelas divisões, mas animada e alicerçada no amor, na graça de Deus e na unidade que se realiza pelo Espírito Santo (Ef 2,18). A paz em Cristo tem seu fundamento na garantia das condições de vida para todas as pessoas e na transformação de tudo o que impede a existência da Criação. Esta transformação é a esperança de que uma nova humanidade é possível. 9. Criação e uma nova humanidade 137. O Espírito Santo anima e vivifi ca as comunidades. É o Espírito Santo que nos movimenta para realizar gestos concretos em favor da paz que já temos em Cristo. É o Espírito Santo que abre nossos olhos, mentes e corações para que percebamos o sentido da afi rmação da Carta aos Efésios que diz: “Assim, não sois mais estrangeiros nem migrantes; sois concidadãos dos santos, sois da família de Deus” (2,19). Essa nova humanidade que fl oresce sob o mesmo Espírito fez com que “fostes integrados na construção que tem como fundamento os apóstolos e os profetas, e o próprio Jesus Cristo como pedra mestra” (2,20a), “É nele que toda a construção se ajusta e se eleva para formar um templo santo no Senhor” (2,21). Participantes na Criação e também frutos dela, em Cristo, que é a nossa paz e une os grupos humanos que estavam separados, nos tornamos agentes de inclusão, CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 53 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 53 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 54 pois as pessoas que estavam sendo excluídas agora sabem que “é nele que vós também sois, todos juntos, integrados na construção para vos tornardes morada de Deus pelo Espírito” (2,22). Na perspectiva do texto evangélico de Lucas, de que “o Reino de Deus está entre nós” (Lc 17,21b), a vida que se perdia por causa das divisões agora é reconstituída. Isso acontece porque onde sopra o Espírito de Deus e onde está a sua morada se revela o fôlego vivifi cante do Espírito de Deus. Esta esperança pela nova vida brota inclusive em meio ao caos, porque “a esperança não engana, pois, o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5,5). Esse amor resiste, transforma, renova, desacomoda e provoca para que, mesmo nas contradições e nos absurdos, possamos voltar a vislumbrar o encontro, a conversa, a comunhão, o sorriso e a esperança. É um amor que nos provoca a assumir a reconciliação e a paz. 138. Em Cristo, recebemos essa abundância de bênçãos, que nos torna herdeiros e herdeiras do Mistério revelado de ser um só povo unido em diversidade. Ser integrados e integradas na construção do Reino de Deus aponta para a unidade, que se realiza na oferta da diversidade dos dons concedidos por Cristo a cada pessoa, para que a casa comum seja um ambiente seguro e feliz para todos os seres vivos. O caminho para a maturidade cristã respeita e acolhe a diversidade e só alcança a plenitude mediante a cooperação mútua. 139. As comunidades cristãs são chamadas a serem este espaço, que gera esperança e possibilita sonhar, exercitar e concretizar esta Boa-Nova de que podemos ser protagonistas de histórias sem discriminações, preconceitos e violências. Uma comunidade viva e coerente com o Evangelho esforça-se para experimentar esta nova realidade revelada em Cristo, ou seja, sem relações de injustiça, de poder opressor, de desigualdade, abuso e orgulho. Ser coerente com a Boa-Nova é não cair na tentação de praticar a falsa paz da sociedade greco-romana. O esforço para não nos afastarmos da Boa-Nova é diário. Sempre que nos afastamos da Boa-Nova deixamos de ser “sal da terra e luz do mundo” (Mt 5,13-16). Perdemos a capacidade de ser fermento na massa. CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 54 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 54 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 55 140. Nesse ponto, é importante retomar a introdução da Carta aos Efésios que se inicia com um elogio: “tenho ouvido a respeito da vossa fé no Senhor e do vosso amor” (Ef 1,15). Essas palavras recordam a primeira Carta aos Tessalonicenses (1,9): a intensidade de fé em Deus, que expressa a adesão plena à proposta de Jesus Cristo, exige que se deixe para trás as formas impositivas, desiguais, orgulhosas e interesseiras de ser. A Boa-Nova é graça que pela fé exige rupturas com todas os falsos projetos de paz que não estão voltados para a equidade, a unidade na diversidade e para o “bem viver”. O discipulado ou o seguimento a Jesus implica em assumir o compromisso de cooperar e comprometer-se com a nova humanidade. Esse compromisso é a amorosidade e a paz que nos desafi am diariamente a experimentar relações de respeito e equidade tanto com as pessoas quanto com a natureza. A partir da amorosidade e da paz somos livres para incluir, ser solidários e solidárias, praticar o diálogo, respeitar todas as tradições de fé, viver em horizontalidade, sermos justos e justas nas relações econômicas. Nesse contexto, não nos é permitido estabelecer relações de dominação, intolerância, exploração, exclusão. Deus nos liberta para o amor e não para o ódio. 141. Oremos, então, com a comunidade dos Efésios: “o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da gloria, vos dê um espírito de sabedoria e de revelação, para poderdes realmente conhecê-lo. Que ilumine os olhos dos vossos corações, para saberdes qual é a esperança que seu chamado encerra, qual a riqueza da glória da sua herança entre os santos e qual é a extraordinária grandeza de seu poder por nós, os que cremos, conforme a ação do seu poder efi caz” (Ef 1,17-19). 142. Temos inúmeras experiências concretas de que a amorosidade é uma prática possível. Existem entre nós sinais de paz. Muitos muros têm sido derrubados a partir da fé em Jesus Cristo e pontes de diálogo e aproximação têm sido construídas. 143. Na terceira parada, “o Agir”, conheceremos algumas dessas experiências. Queremos muito conhecer ações que testemunhem com gestos concretos que Cristo é a nossa paz e que sejam promotoras do bem. CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 55 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 55 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 56 TERCEIRA PARADA ERCEIRA PARADA Cristo é a nossa paz: do que era dividido risto é a nossa paz: do que era dividido fez uma unidade ez uma unidade 144. A fé em Jesus Cristo nos compromete a derrubarmos os muros das divisões. O Batismo exige que nos esforcemos em favor de comunidades que expressem a unidade na diversidade. 145. Existem muitos exemplos, que chamamos de boas práticas, que indicam que é possível o testemunho cristão comprometido com a construção de pontes para o diálogo. 146. Cristo é a nossa paz: do que era dividido fez uma unidade (Ef 2,14a). Essa é a Boa-Nova com a qual queremos nos comprometer. Nesta parada, compartilharemos algumas boas práticas da caminhada ecumênica. São exemplos singelos, mas importantes. Queremos motivar vocês a identifi carem boas práticas de diálogo e de unidade em suas comunidades, em suas cidades ou em suas regiões. Sabemos que elas existem e queremos que elas sejam conhecidas. 147. Também incentivamos que outras boas práticas sejam realizadas e compartilhadas. 148. Exemplos de boas práticas do CONIC: 1. Promoção do diálogo ecumênico – Semana de Oração pela Unidade Cristã Promovida mundialmente pelo Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos e pelo Conselho Mundial de Igrejas (CMI), a Semana de Oração pela Unidade Cristã (SOUC) acontece, no hemisfério Sul, geralmente, no período de Pentecostes. A Semana de Oração pela Unidade Cristã é a celebração da diversidade que caracteriza a fé em Jesus Cristo. São diferentes Igrejas reunidas e celebrando os dons do Espírito Santo, cada Igreja com as suas CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 56 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 56 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 57 especifi cidades, mas unidas em oração, repetindo a experiência das comunidades primitivas em que umas oravam pelas outras. Todos os anos Igrejas de um determinado país, previamente escolhido pelo Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos e pelo Conselho Mundial de Igrejas, elaboram os subsídios da Semana de Oração pela Unidade Cristã. Nesse material, compartilham tanto o testemunho ecumênico quanto informações preciosas sobre a cultura do país e os desafi os enfrentados pelas Igrejas. No Brasil, a Semana de Oração é organizada pelo CONIC, que adapta o material para o nosso contexto. O CONIC, por sua vez, convida um dos estaduais ecumênicos para realizar esta adaptação. Dessa forma, além de conhecermos sobre a experiência ecumênica do país que elaborou o material, é possível conhecer as experiências ecumênicas do Estado convidado para adaptar o material. Uma prática bastante comum da Semana de Oração pela Unidade Cristã é a partilha de púlpitos. Isso signifi ca que, a cada dia da semana, a celebração acontece em uma Igreja diferente, e a pessoa que fará a homilia ou pregação será de uma das Igrejas visitantes. Essa prática possibilita que as comunidades se conheçam e criem laços de amizade. A Semana de Oração é um exemplo concreto de testemunho público da unidade na diversidade.33 2. Convivência inter-religiosa Uma das grandes belezas do Brasil é a sua diversidade religiosa. No entanto, nem sempre se reconhece o valor desta força pulsante que nos caracteriza. Ao longo do Texto-Base, lemos sobre o racismo religioso que é a intolerância dirigida para religiões características de uma determinada raça e etnia. Esse é o caso da intolerância contra as religiões de matriz africana. No ano de 2016, na cidade de Brasília, um Terreiro bastante conhecido foi incendiado em consequência da intolerância. Nesse Terreiro, 33 Se você quiser saber mais sobre a Semana de Oração, acesse o site do CONIC: www.conic.org.br. CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 57 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 57 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 58 eram desenvolvidos vários projetos sociais, principalmente com jovens. Alguns dias após o incêndio, a diretoria do CONIC reuniu-se em Brasília para uma de suas reuniões anuais. Nos mesmos dias, ocorreu o Congresso Nacional da Juventude, que contou com a participação de jovens das Igrejas membros do CONIC. Decidimos, junto com a Iniciativa das Religiões Unidas, realizar uma visita de solidariedade à Mãe de Santo responsável pelo Terreiro. Ligamos para ela perguntando o que poderíamos levar para minimizar as perdas provocadas pelo incêndio. Ela pediu uma muda de Pau-Brasil, pois entre as várias árvores que ela tinha no Terreiro essa era uma que ainda faltava. Conseguimos a muda e nos organizamos para ir. Participaram da visita aproximadamente 20 lideranças religiosas de diferentes Igrejas, entre pessoas ordenadas e leigas. A Mãe de Santo nos contou a história do Terreiro, mostrou a área queimada, falou sobre os projetos que desenvolvia e que precisaram ser interrompidos e do impacto disso na vida de jovens pobres. Falou da dor que sentia por ver seu espaço sagrado destruído e que se sentia agradecida por ninguém ter sido ferido. No cair da tarde, fomos plantar a árvore que levamos para ela. O local do plantio já estava devidamente preparado. Plantamos a árvore ao pôr do sol, com tambores tocando e celebrando o plantio da árvore símbolo da amizade e do diálogo. Foi um momento bastante forte e signifi cativo. Depois disso, todos os anos, celebramos o aniversário da árvore que se tornou uma marca do respeito entre as religiões.34 3. Superação da violência: realização das missões ecumênicas A primeira aconteceu no Mato Grosso do Sul em solidariedade ao povo Guarani Kaiowa. Historicamente, a situação vivida pelos povos indígenas no Brasil é marcada pela violência e pelo desrespeito. A vida, a espiritualidade e a forma de viver destes povos é relativizada frente aos interesses de grandes conglomerados econômicos, em especial, daqueles ligados à mineração e ao agronegócio. 34 Para saber mais sobre esta experiência leia: https://portrasdapalavra.blogspot.com/2015/12/ conic-organiza-visita-terreiro-e-diz.html. CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 58 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 58 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 59 Esse é o caso dos povos Guarani Kaiowa do Mato Grosso do Sul. Há décadas, eles são expostos às mais variadas formas de agressão, que englobam o envenenamento da água potável, assassinatos, destruição das Casas de Reza, ameaça permanente de perda de seus territórios. Como consequência dessas agressões, muitas pessoas da etnia Guarany Kaiowa passam por profunda depressão e desenvolvem o alcoolismo. A perda de sua cosmovisão faz com que percam o sentido da vida. Por isso, o índice de suicídio neste povo é bastante elevado. Em 2015 e 2016, em função das ameaças e ataques permanentes sofridos pelos Guarani Kaiowa, o Fórum Ecumênico ACT-Brasil, coordenado por CESE, CONIC, FLD e KONONIA organizou, em parceria com o Centro de Estudos Bíblicos e o CIMI do Mato Grosso do Sul a Missão Ecumênica de Solidariedade aos Guarani Kaoiwa. Essas experiências provocaram refl exões. Uma delas foi sobre a compreensão da missão. Geralmente esse termo está associado à imposição de uma determinada crença para um grupo de pessoas com o objetivo de expansão de uma religião específi ca. Essa é a missão com fi ns proselitistas. Na experiência com os Guarani Kaiowás, a compreensão da missão esteve profundamente associada à defesa da vida deste povo indígena, de sua espiritualidade e território. Muitos momentos foram marcantes, mas talvez os que mais destacam foram as escutas realizadas, com crianças, jovens, mulheres, homens, que nos falaram sobre seus medos e esperanças. Em cada Tekoha (comunidade) que chegávamos éramos recebidos com momentos de profunda espiritualidade, caracterizados por cantos e rezas. Também partilhamos o alimento, sentados em círculos e conversando. As Missões contribuíram para o fortalecimento da visibilidade das reivindicações legítimas destes povos continuarem existindo, apoio para a reconstrução das Casas de Reza que foram destruídas e uma amizade que permanece. Todos e todas saímos transformados desta missão certos de que se Cristo é nossa paz, cabe-nos zelar pela paz das pessoas e povos ameaçados. CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 59 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 59 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 60 Depois dessa experiência, foram realizadas outras Missões Ecumênicas em territórios em confl ito. No ano de 2017 foi realizada a Missão Ecumênica Pau D’Arco – PA e outra Missão Ecumênica em solidariedade aos povos Kaigang e Guarani, no Rio Grande do Sul.35 4. Superação da violência contra as mulheres Encontro Ecumênico de Mulheres – Ato ecumênico em memória delas: a história do cristianismo foi construída com a forte presença e atuação das mulheres. Nos relatos bíblicos podemos conhecer a presença ativa das mulheres no movimento de Jesus. Lembremos das histórias de Marta e Maria, narradas em Lucas (10,38-42), a unção em Betânia, contada em João (12,1-11). As cartas pastorais trazem os nomes de outras mulheres que eram líderes de comunidades. Muitas dessas comunidades se reuniam nas casas das mulheres. Conhecemos as histórias das igrejas domésticas, como a casa de Priscila e Aquila, contada em Romanos (16,5). Em Romanos (16,3.7.11). Conhecemos os nomes de outras mulheres que foram lideranças importante nas comunidades do Século I, além de Priscila, Herodiana e Júnia. Apesar dessa presença ativa e marcante, a história das mulheres no cristianismo foi relegada ao esquecimento e, muitas vezes, apagada. Mesmo que mulheres sejam as que percentualmente mais participam das igrejas e mantém, muitas vezes, as comunidades fi nanceiramente, elas ainda ocupam poucos espaços de liderança. O pouco reconhecimento da contribuição das mulheres também acontece no movimento ecumênico. Tendo isso em conta, o CONIC organizou e realizou em 2016 o Encontro Ecumênico “Mulheres, direito e justiça: um compromisso ecumênico”. 35 Para saber mais sobre a missão, você pode acessar os sites: https://www.cese.org.br/missao- -ecumemica-em-apoio-aos-guarani-kaiowa-ms/; https://racismoambiental.net.br/2017/12/23/missao-ecumenica-junto-aos-kaingang-e-guarani-carta-as-igrejas-e-comunidades-de-fe/; e https://www.conic.org.br/portal/noticias/2409-missao-ecumenica-pau-d-arco-basta-de-violencia-no-campo. CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 60 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 60 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 61 Ao longo do processo de preparação do encontro foi constatado que:  Há poucos anos, mulheres escreviam textos e sermões nas Igrejas, mas seus nomes não apareciam. A autoria dos textos era dada para homens, mesmo que as autoras fossem mulheres.  O trabalho missionário das mulheres sempre existiu nas Igrejas, mas é pouco visibilizado.  Outro aspecto lembrado foi que, também nas Igrejas, o trabalho da mulher em algumas ocasiões é menos remunerado que o dos homens.  Nas Igrejas que ordenam mulheres, em situações em que marido e mulher são ordenados, a preferência pelo trabalho pastoral é geralmente do homem. A mulher ordenada fi ca com o trabalho voluntário ou com o que é menos remunerado.  O movimento ecumênico, embora de maneira tímida, contribui para visibilizar o trabalho das mulheres nas Igrejas. O Encontro que aconteceu na cidade de São Paulo, nos dias 17 a 20 de novembro, reuniu mulheres das Igrejas membros e não membros do CONIC, de organismos ecumênicos e movimentos sociais. Ao longo desses dias, conversamos sobre nossa presença nas Igrejas e sobre os desafi os que ainda precisam ser superados para a visibilidade do protagonismo das mulheres. Uma análise sobre a violência e o silenciamento sofridos pelas mulheres na sociedade também foi realizada. Foi um Encontro marcado por profundos momentos de espiritualidade e cumplicidade.36 Após essa atividade foi realizado um Encontro Ecumênico de Mulheres Regional promovido pelo CONIC – ES que aprofundou os temas do Encontro Nacional.37 36 Para saber mais: https://www.conic.org.br/portal/noticias/2080-encontro-mulheres-direitos- -e-justica-cobertura-completa https://www.conic.org.br/portal/noticias/2084-relato-de-participacao-encontro-mulheres- -direitos-e-justica https://www.conic.org.br/portal/noticias/2101-carta-fi nal-do-encontro-mulheres-direitos-e-justica 37 https://www.conic.org.br/portal/noticias/2229-encontro-ecumenico-de-mulheres-e-realizado-com-sucesso CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 61 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 61 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 62 Outro desdobramento do Encontro Nacional foram as atividades ecumênicas realizadas pelo CONIC em comemoração ao dia 8 de março. Então compartilhamos a roda de conversa “Vozes de Mulheres sobre o Sagrado”, promovida pelo Movimento Espiritualidade em Ação, integrado pelo CONIC. Nessa roda de conversa, mulheres de diferentes religiosidades falaram sobre sua relação com o Sagrado. Ao fi nal da roda de conversa foi realizado o Ato Inter-religioso em memória às mulheres vítimas de feminicídio no Distrito Federal.38 5. Cuidado da casa comum Em 2016, foi realizada a Campanha da Fraternidade Ecumênica com o tema: “Casa comum – nossa responsabilidade” e o lema: “Quero ver o direito brotar como fonte e correr a justiça qual riacho que não seca” (Am 5,24). A Campanha promoveu a refl exão sobre o direito humano ao saneamento básico e à água potável de qualidade. A partir desta Campanha, o CONIC se envolveu em muitas ações e iniciativas voltadas para o direito ao acesso à água potável de qualidade. Uma dessas iniciativas foi a participação no Fórum Alternativo Mundial da Água (FAMA).  No Fórum Alternativo Mundial da Água foi organizada a tenda inter-religiosa que promoveu diálogos e partilhas de boas práticas realizadas em diferentes países do mundo sobre a gestão da água.39  Das refl exões realizadas na Tenda resultou a Mensagem “Das Religiões e Espiritualidades aos povos”. A mensagem lembra que “as nossas tradições religiosas e espirituais têm uma relação profunda com as águas. Elas nos vinculam com a realidade do Transcendente através de nossas liturgias, de nossos ritos de iniciação, de purifi cação, de louvação e de agradecimento. Elas expressam características do criador, como: vida – sem água não há vida; gratuidade – a água não é mercadoria; liberdade – a água não 38 Para saber mais acesse o site: https://conic.org.br/portal/noticias/3004-dia-internacional-da- -mulher-o-que-voce-precisa-saber. 39 Disponível em: https://conic.org.br/portal/noticias/2555-participantes-do-fama-compartilham-boas-praticas-sobre-a-gestao-da-agua. CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 62 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 62 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 63 pode ser privatizada; comunhão – a água é um bem comum. Por isso, as águas têm para nós uma dimensão sagrada em sua origem e em sua fi nalidade: a vida que do divino procede e se realiza na existência de todas as criaturas. Como elemento vital, as águas entrelaçam o natural e o espiritual, o sagrado e o profano, a mística e a política, a individualidade e a comunidade. Elas conectam os diferentes contextos locais e globais onde o curso da vida caminha na direção da fraternidade entre os povos, que partilham desse elemento essencial a todos: a água”.40  No encerramento do FAMA as pessoas foram convidadas para o Ato Inter-religioso que celebrou a relação profunda das tradições de fé com a água e os rios.41 Essas boas práticas nos ensinam que a evangelização e a missão são constitutivas do testemunho das Igrejas. Proclamar a Palavra de Deus e dar testemunho ao mundo é essencial para todos os cristãos e cristãs. No entanto, esta proclamação precisa estar profundamente alicerçada nos princípios evangélicos com pleno respeito e amor ao próximo e à criação. Em contextos caracterizados por profundas polarizações e divisões, o compromisso com o diálogo com pessoas e diferentes Igrejas e religiões é condição para um testemunho comprometido com o Evangelho. Atos dos Apóstolos (17,22-28) nos ensina isso. Se, como pessoas batizadas, adotamos práticas inadequadas no exercício da missão, recorrendo a meios coercitivos e impondo nossa visão de mundo, causaremos sofrimentos, além de sermos incoerentes com a Boa-Nova. Precisamos pedir perdão por todas as vezes em que promovemos disputas e agressões em nome da fé. Não somos portadores da verdade única e precisamos lembrar, todos os dias, da nossa permanente necessidade da graça de Deus (Rm 3,23). 40 Para saber mais acesse o site: https://www.conic.org.br/portal/noticias/2562-fama-2018-mensagem-das-religioes-e-espiritualidades-aos-povos. 41 Para conhecer mais acesse o site: https://www.conic.org.br/portal/noticias/2563-fama-2018- -ato-inter-religioso-foi-noticia-na-rede-vida. CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 63 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 63 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 64 Sabemos que muitas comunidades, grupos ecumênicos, pastorais e serviços diaconais realizam boas práticas. Queremos estimular que identifi quem essas práticas entre vocês e promovam outras a partir do tema desta Campanha: “Fraternidade e diálogo – compromisso de amor” e do lema: “Cristo é a nossa paz: do que era dividido fez uma unidade” (Ef 2,14a). No site do CONIC compartilharemos boas práticas realizadas pelas Igrejas que participam desta Campanha.42 Como cantam nossos irmãos e irmãs das comunidades africanas, “caminhamos pela luz de Deus, caminhamos pela luz de Deus, caminhamos, caminhamos, oh, caminhamos pela luz de Deus”. Que esse caminhar seja em fraternidade, diálogo e como compromisso de amor, edifi cando pontes! 42 Para conhecê-las, acesse o site: www.conic.org.br. CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 64 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 64 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 65 QUARTA PARADA UARTA PARADA Celebrar elebrar Orientações para a celebração Em um tempo em que o ódio e a intolerância em relação a quem é diferente só está crescendo, que bom que podemos superar também estes muros, e, movidos pela paz de Cristo celebrar ecumenicamente mais esta Campanha da Fraternidade. Nossa celebração é proposta para acontecer tanto de forma presencial como na forma de transmissão via internet. Cada pessoa ou grupo pode também adaptá-la/ moldá-la à sua realidade e possibilidades. A construção do muro no momento penitencial pode acontecer de, pelo menos, duas formas:  com a confecção de caixas/tijolos encapadas com papel pardo;  ou usando pedestais, cordas e folhas (conforme ilustração abaixo). Ambas as formas podem ser usadas tanto na celebração presencial quanto na transmitida. Quanto às palavras que serão escritas nas folhas ou tijolos do muro: podem ser escritas pelas pessoas presentes, ou baseadas na poesia CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 65 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 65 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 66 de José Tolentino Mendonça, que está logo abaixo (por exemplo: “pânico”, “desânimo”, “pessimismo”). No caso de as pessoas escreverem suas palavras, elas mesmas podem colocá-las no muro (colocando o tijolo ou prendendo com um grampo no painel). No caso de usar a poesia, as palavras vão sendo colocadas formando o muro na medida em que a poesia é lida em forma de oração. Ao fi nal, deixar ainda um breve momento para que todos(as) possam ver e refl etir sobre essas palavras. Cardeal José Tolentino Mendonça:43 “Livra-nos, Senhor, deste vírus, mas também de todos os outros que se escondem dentro dele. Livra-nos do vírus do pânico disseminado, que em vez de construir sabedoria, nos atira desamparados para o labirinto da angústia. Livra-nos do vírus do desânimo, que nos retira a fortaleza de alma com que melhor se enfrentam as horas difíceis. Livra-nos do vírus do pessimismo, pois não nos deixa ver que, se não pudermos abrir a porta, temos ainda possibilidade de abrir janelas. Livra-nos do vírus do isolamento interior que desagrega, pois o mundo continua a ser uma comunidade viva. Livra-nos do vírus do individualismo que faz crescer as muralhas, mas explode em nosso redor todas as pontes. Livra-nos do vírus da comunicação vazia em doses massivas, pois essa se sobrepõe à verdade das palavras que nos chegam do silêncio. Livra-nos do vírus da impotência, pois uma das coisas mais urgentes a aprender é o poder da nossa vulnerabilidade. 43 Disponível em: https://www.capeladorato.org/2020/04/04/que-sentido-tem-tudo-isto/. CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 66 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 66 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 67 Livra-nos, Senhor, do vírus das noites sem fi m, pois não deixas de recordar que tu mesmo nos colocaste como sentinelas da aurora”. LITURGIA DE ENTRADA ITURGIA DE ENTRADA Prelúdio: Hino da CFE 2021 (p. 83) 1. Acolhida Ofi ciante: A paz esteja com vocês! – Com essa saudação de Jesus e que faz parte da nossa tradição cristã, saudamos e acolhemos vocês que estão participando desta nossa celebração de abertura da Campanha da Fraternidade Ecumênica de 2021. O nosso tema: “Fraternidade e diálogo: compromisso de amor” e o nosso lema: “Cristo é a nossa paz: do que era dividido, fez uma unidade” (Ef 2,14) querem nos motivar a vencer os muros que nos separam e a construir redes que possam nos unir como comunidades, povo de Deus. Sintam-se todos(as) bem-vindos(as) e acolhidos(as) na paz do Senhor. 2. Invocação Ofi ciante: Celebramos em nome do Deus que de nós e conosco fez uma unidade, do Deus da paz, que é Pai, e Filho e Espírito Santo. Todos: Amém. 3. Momento penitencial Ofi ciante: A Quaresma se inicia. É tempo de reconhecermos os muros que nos separam e que causam tantas dores no mundo. Vamos colocar isso na presença de Deus. (Realizar a dinâmica conforme sugerido nas orientações, ou conforme moldado por cada um(a) para a sua realidade. Ao fi nal:) CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 67 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 67 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 68 Ofi ciante: Senhor Deus, por colocarmos tantos muros que nos dividem, pedimos teu perdão. Pedimos a ti também: tem compaixão de nós por todas as dores que essas divisões estão causando. 4. Kyrie (Letra e Melodia: Rodolfo Gaede Neto) D A D Pelas dores deste mundo, Ó Senhor, Bm F#m imploramos piedade G D A A um só tempo geme a criação D A D Teus ouvidos se inclinem ao clamor Bm F#m Desta gente oprimida. G D A Apressa-te com a tua salvação! D A tua paz, G A F#m Bendita e irmanada co’a justiça Bm G Abraça o mundo inteiro. A Tem compaixão! D O teu poder G A F#m Sustente o testemunho do teu povo. Bm G Teu Reino venha a nós! A D Kyrie eleison! CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 68 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 68 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 69 5. Anúncio da graça Ofi ciante: Jesus diz: “A minha paz eu vos dou”. Pelo seu amor, Ele derruba os muros de pecado que afastam umas pessoas das outras, que nos afastam dele e que causam tanta dor no mundo. Pelo seu amor, Ele nos concede perdão e tece entre nós uma rede que nos une. (Enquanto o hino é tocado, derrubar o muro – no caso de fazê-lo com tijolos ou caixas –, ou soltar as folhas – no caso de fazer o muro com os pedestais e cordas. Por trás do muro, aparece a rede que será erguida.) 6. Hino: Renascer na esperança44 1. Mulheres, homens, crianças trazendo fl ores e mel. /A vida tecem com danças rodando num carrossel./ R. Agora o que mais importa é renascer na esperança. É renascer, renascer na esperança. 2. Os pobres já se alimentam e o pão repartem com fé. /E alegres se cumprimentam Maria, Joana e José./ R. 3. Os índios trazem da mata cantigas de comover, /saudando a lua de prata que vem ao anoitecer./ R. 4. Já não existem mais raças, não mais muros da cor: /nas ruas e pelas praças louvamos nosso Senhor./ R. 44 Disponível em: https://ne- np.facebook.com/Catedral.do.Redentor/videos/335962567409579/. CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 69 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 69 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 70 5. E já não valem as classes com tristes separações: /agora todos tem faces e unidos os corações./ R. 6. Alegres cantam felizes em seu bonito arraial. /São como atores e atrizes de um novo e bom carnaval./ R. 7. E vem o Espírito Santo usando os dons da mulher /pra encher o mundo de encanto fazendo tudo o que der./ R. 7. Oração do Dia: Oração da CFE 2021 (p. 82) Ofi ciante: Como pessoas perdoadas e amparadas por Deus, vamos orar: Deus da vida, da justiça e do amor, nós Te bendizemos pelo dom da fraternidade, e por concederes a graça de vivermos a comunhão na diversidade. Através desta Campanha da Fraternidade Ecumênica, ajuda-nos a testemunhar a beleza do diálogo como compromisso de amor, criando pontes que unem em vez de muros que separam e geram indiferença e ódio. Torna-nos pessoas sensíveis e disponíveis para servir a toda a humanidade, em especial, aos mais pobres e fragilizados, a fi m de que possamos testemunhar Teu amor redentor, e partilhar suas dores e angústias, suas alegrias e esperanças, caminhando pelas veredas da amorosidade. Por Jesus Cristo, nossa paz, no Espírito Santo, sopro restaurador da vida. Todos: Amém! CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 70 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 70 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 71 LITURGIA DA PALAVRA ITURGIA DA PALAVRA 8. Primeira Leitura – Efésios 2,13-17 Ofi ciante: Na carta de Paulo aos Efésios (2,13-17), encontramos o nosso lema da Campanha da Fraternidade Ecumênica. Vamos ouvir este texto. (Leitura) Canto: “Pela Palavra de Deus” (somente o estribilho) 9. Leitura do Evangelho – Mateus 5,1-12 Ofi ciante: Em uma das palavras mais bonitas e conhecidas de Jesus, ele motiva as pessoas que o seguem a serem pacifi cadoras. Vamos ouvir esta palavra. (Leitura) Canto: F (E) B (A) Quero uma ponte construir, F (E) B(A) C (B7) para ao irmão poder chegar, F (E) B (A) ao seu encontro quero ir, F (E) C (B7) F (E) e o primeiro passo dar. Quero uma ponte construir, sobre abismos de rancor, e nos confl itos descobrir, novos começos em amor. Quero uma ponte construir, como sinal de salvação, a Boa-Nova transmitir, d’um mundo novo e mais irmão. CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 71 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 71 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 72 10. Refl exão 11. Confi ssão de fé: Cristo é a nossa paz || A | E/G# | F#m Bm | E4 E | | A | E/G# | Cremos em Deus que não quer divisão | F#m Bm | E4 E | Que ama a todas as pessoas de maneira igual. | A | E/G# | Cremos em Deus que nos dá sua paz | F#m B7 | E4 E | Que revela o amor na comunhão. | D | A | Cremos que Cristo nasceu e viveu | D | A A7/4 A7 | Que morreu e ressuscitou | D | A E/G# F#m | Cremos que o Espírito Santo nos deu | Bm B7 | E | Em um corpo nos transformou | D | A | Crer e agir, repartir o pão | D | A A7/4 A7 | Crer e amar, apertar cada mão. | D E | A E/G# F#m | Construir um mundo novo necessário se faz | Bm E | A | E dizer: Cristo é a nossa paz | D | A | Crer e agir, repartir o pão | D | A A7/4 A7 | Crer e amar, apertar cada mão. CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 72 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 72 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 73 | D E | A E/G# F#m | Construir um mundo novo necessário se faz | Bm E | A A7/4 A7 | E dizer: Cristo é a nossa paz | D E | A E/G# F#m Construir um mundo novo necessário se faz | Bm E | A F#m | E dizer: Cristo é a nossa paz | Bm E | A F#m | Cristo é a nossa paz | Bm E | A | Cristo é a nossa paz 12. Ofertório: Coleta para o Fundo Ecumênico de Solidariedade (FES) Ofi ciante: Um dos modos de estabelecer a comunhão com o próximo é viver a solidariedade como compromisso de amor. Um amor que partilha, que cuida e também se doa. Este momento de coleta que faremos agora é a Coleta da Solidariedade, pensada para o dia 28/03 ou para outro dia mais favorável às nossas Igrejas, são sinais que nos estimulam a partilha e a comunhão. Com a nossa contribuição fi nanceira, chegamos a muitas pessoas a quem, pela fé em Jesus Cristo, chamamos irmãos e irmãs. “Deus ama a quem dá com alegria” (2Cor 9,7). A alegria de quem doa sempre encontra o sorriso e a gratidão de quem precisa e recebe essa ajuda. Que nossa oferta seja sinal de um coração convertido e solidário. 13. Hino para a coleta/oferta 14. Intercessões Ofi ciante: Quando vemos a outra pessoa e não somos indiferentes, derrubamos os muros que nos separam. Quando oramos e intercedemos, moldamos redes que nos unem. Vamos interceder. Ao fi nal de cada prece, dizemos a uma só voz: “Ouve-nos Deus”. CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 73 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 73 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 74 Deus piedoso, que cuida de todas as pessoas como a ave que abriga seus fi lhotes sob suas asas, olha misericordiosamente para tuas fi lhas e fi lhos que foram atingidas por todo tipo de afl ição, sofrimentos e perdas provocada pelas injustiças e desigualdades sociais. Todos: Ouve-nos Deus. Ofi ciante: Deus compassivo, volta tua face para todas as pessoas que foram afastadas de suas famílias, divididas por muros de preconceito religioso, racial e tantos outros preconceitos, ideologia política e posturas discriminatórias. Permite que saibamos respeitar cada pessoa em suas particularidades da mesma maneira que desejamos ser respeitados e acolhidos. Todos: Ouve-nos Deus. Ofi ciante: Deus eterno, experimentamos a brevidade e limitação de nossas vidas terrenas suscetíveis as enfermidades e descompassos provocados pela falta de políticas públicas e de investimento na saúde como direito de todas as pessoas. Inspira-nos para que possamos nos perceber como parte de um corpo solidário e comprometido com a coletividade. Todos: Ouve-nos Deus. Ofi ciante: Deus bondoso, converte-nos para que possamos desenvolver em nossas relações uma cultura de amor, na promoção de diálogo com diferentes culturas, raças, etnias e religiões. Fortalece-nos com teu amor para que possamos construir pontes de unidade entre todas as pessoas. Todos: Ouve-nos Deus. Ofi ciante: Deus amoroso,renova nossa esperança em um mundo unido por teu amor, onde Cristo, que é nossa paz, reconstrua a unidade no que que foi dividido pela falta de empatia e reconhecimento da tua face sofrida nos rostos das pessoas em situação de vulnerabilidade. Todos: Ouve-nos Deus. CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 74 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 74 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 75 15. Pai-Nosso Ecumênico Ofi ciante: Em unidade, como em uma grande ciranda da paz, vamos orar como Jesus nos ensinou: Pai nosso que estás nos céus. Santifi cado seja o teu nome, venha o teu reino. Seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu. O pão nosso de cada dia nos dá hoje, perdoa-nos as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido. E não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal, pois teu é o reino, o poder e a glória para sempre. Amém. 16. Oração da paz Ofi ciante: Unidade somente é possível com a paz. Por isso, antes de recebermos a bênção de Deus, em um gesto de compromisso com a paz e a reconciliação entre nós, vamos orar com a oração de Dom Pedro Casaldáliga: “Dá-nos a paz que se faz! Senhor, quando te pedimos paz, devolve-nos o pedido, que é fácil pedir sem dar… Ensina-nos a passar da tolerância ao amor; de sermos notas dispersas a sermos uma canção. Quando entregamos as armas, ajuda-nos a entregar também, abertas, as almas, que a paz apenas sem guerra é pouca paz para nós. Necessitamos da terra com casa, trabalho e pão, contigo no coração, com todos os povos, juntos, forjando o novo amanhã. Dá-nos a paz que se faz! Dá-nos a paz que se dá”! Todos: Amém! 17. Bênção Final Canto:45 1. Diante dos teus pés sejam planos os caminhos e que o vento sopre a teu favor. 45 Disponível em: https://www.luteranos.com.br/conteudo/diante-dos-teus-pes. CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 75 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 75 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 76 R. E até te reencontrar, e até te reencontrar, que a mão sempiterna de Deus seja contigo. 2. Que a luz do sol sempre  aqueça o teu rosto e que a chuva molhe os teus campos.  18. Ciranda da Paz com o canto “Momento novo” Ofi ciante: O cartaz da Campanha da Fraternidade Ecumênica 2021 tem como destaque uma ciranda. Sobre isso, os artistas que produziram o cartaz destacam: “Escolhemos uma ciranda para ser a base do desenho, afi nal, em uma roda não tem primeiro, nem último, todos formam um e precisam trabalhar na mesma sintonia e ritmo para não perder o compasso e, como na música do cantor, compositor e amigo, Zé Vicente, Baião das Comunidades, todos e todas são convidados a participar desta ciranda pela vida e construção da civilização do amor, da justiça igualdade e paz”. Vamos, pois, nós também fazer uma ciranda, trocando os muros da separação pelas cirandas de amor. (Sugerimos que onde a ciranda for realizada, fotos e/ou vídeos sejam feitos e compartilhados com o CONIC, para o e-mail: comunicacao@ conic.org.br) (Como canção para ser tocada/cantada durante a ciranda, sugerimos: “Momento novo”:)46 1. Deus chama a gente pr’um momento novo de caminhar junto com seu povo. É hora de transformar o que não dá mais; sozinho, isolado ninguém é capaz. R. Por isso vem! Entra na roda com a gente, também você é muito importante :/ Vem! 46 Disponível em: https://www.luteranos.com.br/conteudo/momento-novo-1. CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 76 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 76 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 77 2. Não é possível crer que tudo é fácil. Há muita força que produz a morte, gerando dor, tristeza e desolação. É necessário unir o cordão. R. 3. A força que hoje faz brotar a vida atua em nós pela sua graça. É Deus quem nos convida p’ra trabalhar, o amor repartir e as forças juntar. R. ___________________________________________________ Além do caderno de cifras e partituras e do CD ofi cial da Campanha, a Edições CNBB disponibilizará canções que podem compor a trilha sonora dos momentos de oração da CFE 2021 pelo site: htt ps://materiais.edicoescnbb.com.br/ musicas-partituras-cfe-2021 ___________________________________________________ CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 77 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 77 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 78 COLETA DA SOLIDARIEDADE OLETA DA SOLIDARIEDADE Nosso gesto concreto! osso gesto concreto! A Campanha da Fraternidade expressa-se concretamente pela oferta de doações em dinheiro na coleta da solidariedade, realizada no Domingo de Ramos. É um gesto concreto da fraternidade, partilha e solidariedade, realizado em âmbito nacional, em todas as comunidades cristãs, paróquias e dioceses. A Coleta da Solidariedade é parte integrante da Campanha de Fraternidade. DIA NACIONAL DA COLETA DA SOLIDARIEDADE Domingos de Ramos, 28 de março de 2021 Bispo, padres, religiosos(as), lideranças leigas, agentes de pastoral, colégios católicos e movimentos eclesiais são os principais motivadores e animadores da Campanha da Fraternidade. A Igreja espera que, com esta motivação, todos participem, oferecendo sua solidariedade em favor das pessoas, grupos e comunidades, pois ao longo de uma história de solidariedade e compromisso com as incontáveis vítimas das inúmeras formas de destruição da vida, a Igreja se reconhece servidora do Deus da vida. O gesto fraterno da oferta tem um caráter de conversão quaresmal, condição para que advenha um novo tempo marcado pelo amor e pela valorização da vida. O resultado integral das coletas realizadas nas celebrações do Domingo de Ramos, coleta da solidariedade, com ou sem envelope, deve ser encaminhado à respectiva Diocese. Do total arrecadado pela Coleta da Solidariedade, a Diocese deve enviar 40% ao Fundo Nacional de Solidariedade (FNS), gerenciado pela CNBB. A outra parte, 60%, permanece nas dioceses para atender projetos locais, pelos respectivos Fundos Diocesanos de Solidariedade (FDS). CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 78 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 78 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 79 Doações para o Fundo Nacional de Solidariedade da CNBB, para aplicação em projetos sociais, podem ser efetuadas na conta indicada abaixo, ao longo de todo o ano. Para mais informações, aponte a câmera do seu celular para o QR code ao lado. PARA DEPÓSITO DOS 40% da Coleta da Solidariedade (Fundo Nacional de Solidariedade – FNS) Banco Bradesco, Agência: 0484-7, Conta Corrente: 4188-2 O comprovante do depósito deve ser enviado  para o endereço eletrônico: fi nanceiro@cnbb.org.br ou via correspondência para: SE/Sul Quadra 801 Conjunto B 70200-014 BRA SÍLIA – DF Contato: (61) 2103 8311 (falar com o departamento Financeiro) As organizações que desejarem obter apoio do Fundo Nacional de Solidariedade (FNS), de acordo com os critérios de destinação previstos no Edital para a CFE 2021, devem fazer o cadastro da entidade e do projeto no site: www.fns.cnbb.org.br e, depois, encaminhar a proposta de projeto, juntamente com a documentação exigida para a análise prévia, para o seguinte endereço: CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRA SIL – CNBB Departamento Social/Fundo Nacional de Solidariedade – FNS SE/SUL Quadra 801 Conjunto – B CEP: 70200-014 BRA SÍLIA – DF Contato: (61) 2103-8300 / e-mail: fns@cnbb.org.br Os projetos, após análise prévia, serão submetidos ao Conselho Gestor do FNS. O Fundo Diocesano de Solidariedade (FDS), composto por 60% da coleta do Domingo de Ramos, é administrado pelo Conselho Gestor Diocesano, que pode ser constituído com a participação de uma pessoa da Cáritas Diocesana (onde ela existir), de um CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 79 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 79 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 80 representante das Pastorais Sociais, da Coordenação de Pastoral Diocesana, da Equipe de Animação das Campanhas, do responsável pela administração da Diocese e de uma pessoa ligada à temática da CF. O Bispo Diocesano constitui este Conselho Gestor e o preside. MEMBROS DO CONSELHO GESTOR – FNS Dom Joel Portella Amado – Secretário Geral da CNBB Dom José Valdecir Santos Mendes – Presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Ação Sociotransformadora Pe. Dirceu de Oliveira Medeiros – Subsecretário Adjunto da CNBB Monsenhor Nereudo Freire Henrique – Ecônomo da CNBB Frei Olávio Dott o – Comissão Episcopal Pastoral para a Ação Sociotransformadora Pe. Patriky Samuel Batista - Secretário Executivo da Campanha da Fraternidade Pe. Agenor Guedes Filho – Representante dos Secretários Executivos dos Regionais da CNBB Franklin Ribeiro Queiroz – Coordenador de projetos – FNS/ CNBB Antônia Mendes Ribeiro – Assistente Social – CNBB (Fonte: Regulamento Conselho do Conselho Gestor da CNBB: Fundo Nacional de Solidariedade – FNS)  Para mais informações sobre a prestação de contas da Campanha da Fraternidade 2020, acesse: htt ps://fns.cnbb.org.br e htt ps:// campanhas.cnbb.org.br e entre na aba: FUNDO NACIONAL DE SOLIDARIEDADE.  Para demais informações, esclarecimentos e orientações acerca da organização e da realização da Campanha da Fraternidade, contatar o Pe. Patriky Samuel Batista, Secretário-Executivo da Campanha, pelo e-mail: campanhas@cnbb.org.br ou pelo telefone: (61) 2103-8300. CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 80 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 80 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 81 CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 81 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 81 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 82 CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 82 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 82 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 83 CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 83 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 83 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46 CFE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 84 FE2021_Texto_BASE_FINAL.indd 84 09/10/2020 09:46 9/10/2020 09:46

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