sábado, 3 de setembro de 2011

Pensar a Criação como Jogo, ÚLTIMA PARTE "a desordem do lúdico"

(Final do artigo, anteriores: Parte 1 e Parte 2)
O livro da Sabedoria propõe uma característica da noção de jogo, na qual Deus joga com a mobilidade dos elementos do mundo em prol a salvação dos justos. Nesse jogo divino está o convite para que o ser humano não se deixe escravizar no uso dos elementos mundanos.
Para o ser humano, é permanente a tentação de divinizar a harmonia cósmica, de projetar em Deus a imagem de perfeição que ele experimenta a partir da contemplação dessa harmonia. Mas, a ideia de jogo vem para ajudar, ela traz uma dimensão anti-idolátrica da criação.
Há um logos, uma lógica da criação. Ela é marcada por um conjunto de delimitações, necessárias para impedir o retorno à confusão caótica. Essas delimitações permitem o conhecimento do universo como cosmos, totalidade ordenada. Mas o espírito humano tende, sempre, a sistematizá-las para melhor assegurar seu controle e manipulá-las à sua maneira. Em razão de sua associação com o riso, o jogo exerce uma ironia salutar em contraposição a essa idolatria da lei. Romper o que essas delimitações têm de artificial permite que entremos, mais livremente, no jogo da criação.
"A atividade criadora divina é vista, essencialmente, como ordenamento das coisas em um conjunto coerente, cuja estrutura fundamental a inteligência humana pode descobrir, com o auxílio dos procedimentos da ciência. O teólogo admite que fundamento último continua sendo sempre ‘misterioso’, ou seja, fora do alcance da inteligência humana. Mas esse reconhecimento dos limites da ciência é praticamente recoberto pelos sucessos dessa iniciativa". (EUVÉ, 2006,  p. 201).
A atividade lúdica caracteriza-se pela recusa de sujeição a uma ordem do mundo rapidamente considerada necessária, na medida em que se limita a fazer a apologia de uma espontaneidade caótica. Essa atitude se recusa a idolatrar aquilo que o espírito humano percebe como lei da natureza.
Essa atividade lúdica trata-se do ambiente excepcional do treinamento da engenhosidade, no qual o espírito, e assim livres das amarras da necessidade, trabalha livremente e para seu peculiar prazer. Toda essa dimensão é oferecida ao ser humano quando está se buscando compreender o conceito de jogo nessa magnífica criação. Dessa forma, o conceito de jogo tomado no seu sentido originário fecunda e dá vida a todo esse modo radical e complexo de pensamento.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Pensar a Criação como Jogo, parte 2

... Continuação de parte 1 ...

Esse pensar a criação como jogo é buscar restabelecer com o mundo e com Deus uma relação de maior gratuidade, de um prazer compartilhado.
O jogo é uma atitude lúdica, opondo-se, desse modo, à atitude tecnicista que visa somente o útil. Devemos mergulhar nesse jogo do mundo e termos o modo de ser da criança, que quando joga se entrega inteiramente a seu jogo, nada a distrai. Nessa visão heraclitiana abrimo-nos ao logos do universo, ouvimos os murmúrios do universo.
O conceito de jogo não é uma descoberta apenas da teologia, esse conceito, além de estar presente no pensamento contemporâneo, está sondado também na Bíblia. Ao analisar a história do conceito de jogo, permite-se dar a esse conceito uma envoltura teológica.
Na Tradição bíblica o mundo não é visto de forma cíclica, como muitas mitologias antigas o apresentam.
Em Provérbios 8, 22-31, “a sabedoria criadora”, faz-se uma associação entre criação, sabedoria e jogo. Este texto, além de mobilizar a reflexão sobre estes conceitos, leva o leitor ao Novo Testamento, que realizará progresso novo e decisivo ao aplicá-lo à pessoa de Cristo. Jesus é designado como Sabedoria de Deus, e assim, Cristo participa da criação e conservação do mundo. Aqui percebe-se o jogo da sabedoria recebendo uma nova harmonia.
“O jogo é próprio da Sabedoria, cuja atividade deve ser distinguida do Criador. Ela assiste à criação”. (EUVÉ, 2006, p.163). Deus não cria jogando, quem joga é a Sabedoria, portanto, é o jogo da Sabedoria. Mas, esta Sabedoria está muito próxima de Deus, e reveste toda a criação de um caráter lúdico.
Existe, no Novo Testamento, uma forma lúdica de linguagem parabólica. O jogo, nem objetivismo da ciência, nem subjetivismo do sentimento individual, parece uma noção adequada para dar conta, através da linguagem parabólica, da relação de Deus com o mundo.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Pensar a Criação como Jogo, parte 1

A teologia está tendo de dar novas respostas a indagações contemporâneas. A área da teologia que está sendo mais afetada por essas indagações é mais precisamente a teologia da criação. A teologia da criação, mais do que descrição de um começo, ela é proposição de uma salvação dirigida a uma liberdade.
Os primórdios de um começo oferecem-nos meios para "elaborar novos modelos, buscar novas imagens, mais pertinentes aos olhos [...] contemporâneos". Dentre esses novos modelos, adotamos o "modelo do jogo", que está em oposição ao trabalho (utilidade).
O jogo nada produz. O jogo é "uma ação que envolve os parceiros em uma iniciativa que articula, de maneira fecunda, uma legalidade e uma liberdade [...] Em vez de dominar o mundo, em vez de querer transformá-lo ou mudá-lo [...] procura-se unir-se a ele pela contemplação". (EUVÉ, 2006, p. 19)*. Assim Deus salva atualmente. Esse modo de pensar a criação facilita um diálogo franco entre ciência e teologia (método científico e método da fé).
A época contemporânea volta os olhos para as questões da natureza. Aparece aqui uma tendência: a “espiritualidade cósmica”, que percebe o caráter divino da natureza. Essa é uma das tendências contemporâneas que buscam “um novo modo de pensamento”. Pois, mudando o modo de pensamento muda-se o modo de se relacionar com a natureza (e, conseqüentemente o modo de se relacionar com Deus).
Para Capra, “a noção de jogo está presente no discurso através da imagem da dança [...] o jogo é uma figura circular: é um grande ciclo de criação e de destruições, a passagem do nascimento e da morte”. (EUVÉ, 2006, p. 34).
Neste jogo está o ser que é traspassado por um desejo imenso de superação. O superar limites impulsiona este ser neste joga da criação, fazendo-o ir além de si mesmo. Faz parte a este jogo a alegria e o prazer, mas também a tensão e o sofrimento.
Perante esse pensamento surge a aspiração do ser humano contemporâneo que é de estabelecer uma nova relação com a natureza, que não seja mais de dominação e de exploração, mas de respeito e de escuta.
Continua...
______________________________________
* EUVÉ, Françóis: Pensar a Criação como Jogo. O autor do livro é um jesuíta com formação universitária em Física além do doutorado em Teologia. Conjuga as duas frentes teóricas da ciência e da teologia para abordar o tema da criação em novas perspectivas. Logo de início aponta como insustentável hoje em dia a concepção da criação a partir do modelo de uma produção acabada, tendo um fundamento como marco para o desenvolvimento histórico. A história se desenrolava em uma natureza quase estável. As representações de Deus iam na linha do artífice, do engenheiro, até mesmo do relojoeiro. A categoria de causalidade, de origem aristotélica e assumida por Santo Tomás, procurava dar conta do ato criador.

domingo, 1 de maio de 2011

A gênesis de um ser II

Eis que aparece a continuação da PARTE I inicio.


As horas passam e cada vez mais me adentro nesse estranho mundo. Os dias passam e vejo que este novo mundo não é feito somente de claridade, mais há uma escuridão na qual todos silenciam em busca de um novo dia, demorei a entender essa dinâmica. Os meses se passam e percebo que a comida está diferente, minha mãe está tentando fazer com que eu coma coisas mais sólidas, mas por quê? O líquido é bem melhor. Os anos passam e aí estou eu, agora já crescido e com um desejo ardente em conhecer tudo o que passa na minha frente.
Aprendi a amar o passar noites em claro. Vale a pena lembrar que isso somente acontecia quando meu irmão e minhas irmãs estavam de acordo, do contrário era ir para a cama e sem resmungar. Quando o assunto era “dormir” meu pai pegava pesado, pois segundo ele este era o momento em que as forças se renovam para enfrentar o próximo dia, nisso ele estava certo e continua certo.
Já de madrugadinha o galo tentava acordar os sonolentos com sua cantiga bem afinada. Comigo isso quase nunca deu certo, já meu pai quando escutava essa cantiga sabia dizer em que horas da madrugada estávamos. Minha mãe sempre foi e é até hoje a primeira a levantar, fazia o fogo no fogão a lenha, que ia esquentando a água para o chimarrão e para o café, enquanto ela fazia sua oração matinal. Depois desta cerimônia tradicional cada qual seguia para seus afazeres. Meu pai juntamente com meu irmão (na maioria das vezes com minhas irmãs) ia para a roça, preparar a terra. Minha mãe ficava encarregada de tirar o leite das vacas. Enquanto isso eu dormia, pois com apenas dois anos não teria muito que se poria fazer. Somente acordava depois de minha mãe retornar com um balde quase transbordando com o leite das vaquinhas.
O dia sempre foi pesado na roça, não tinha serviço leve, mas quem nasce nessa lida se acostuma com essa vida xucra!
A continuação traz novidades...

terça-feira, 12 de abril de 2011

A gênesis de um ser

É madrugada do dia sete de janeiro de um ano não tanto distante, em um lugarzinho que nem se quer tem no mapa chamado de Borminha, eis que a uma família humilde, acorda às pressas e com grande alegria, pois, alguém estava querendo vir ao mundo. Neste momento escutei gritos valentes encorajando a todos, estes pareciam ser de meu pai, não sabia eu: “Vai Zé, ‘encie’ o cavalo e chame dona Emerlinda”.
Em menos de dez minutos meu irmão já estava cavalgando, ainda estava escuro. Enquanto isso, minhas duas irmãs mais velhas ajudam minha mãe e a minha irmã mais nova fica sem saber muito que fazer, só observa.
Em um quarto dos fundos do casarão minha mãe grita de dor; pelo casarão minhas irmãs correm, uma trazendo bacia com água, outra trazendo panos e meu pai, que não gostava muito de trabalhar com essas coisas, apenas esperava ansioso pela chegada da parteira. No entanto, eu não queria saber em esperar, nesta ocasião eu estava completamente certo, pois, nove meses já era  tempo suficiente de espera para contemplar o rosto de minha mãe, uma coisa eu já sabia: ela é a pessoa em quem mais confio.
Depois de muitas turbulências, chega a tão esperada parteira. Ufa! Até que enfim eu iria conhecer o mundo, do qual só ouvia alguns rumores e barulhos. Meu irmão não viu este momento, ele tinha ficado cuidando da casa da dona Emerlinda, a parteira. Já os outros estavam todos ao meu redor esperando para ver como eu era. Eles sabiam que iria ser um bebê como os outros e que todos os bebês não são tão bonitinhos como descrevem as avós e as tias, pelo menos no momento em que nascem!
Em um momento inusitado sinto mãos poderosas pressionando o meu querido lar maternal. Foi difícil para eu aceitar o fato de que tinha que sair, pois, nada melhor do que um lugar quentinho e quase sem incômodos, mas eu sentia que aquilo que estava acontecendo comigo era necessário e fundamental. Enfim, decidi sair, mas com uma condição: ter comigo os mesmos cuidados que estava tendo até agora.
Após várias tentativas da parteira, pensei comigo: “Já que tenho que fazer isso irei mergulhar de cabeça, por completo e sem imaginar as consequências”. Fui de maneira solene sendo colocado em outro mundo: um mundo cheio de luzes e de cores, com vários seres andando de cá para lá e emitindo sons estranhos. Nem imaginava eu que aqueles fariam parte de minha família.
Já estou no mundo dos homens, mas não consigo sentir-me totalmente bem, porque falta respiro em meus pequenos pulmões. Tentei respirar várias vezes, mas nada... uma agonia tomou conta de mim. Por alguns instantes pensei que meu início de vida estava prestes a ser o fim. Neste momento entra novamente em cena a dona Emerlinda, belíssima parteira, o nome já diz tudo, com um sopro forte em minha boca ela consegue mandar um pouco de ar para dentro de meu peito, que foi o suficiente para que eu não morresse. Passado o primeiro susto, estava eu ali entre aquela gente desconhecida, que pareciam estar olhando para mim e tentando desvendar o grande mistério de meu futuro. Enrolaram-me em panos e puseram-me ao lado daquela que iria me educar nas coisas boas da vida.
Continua...
PARTE II AQUI

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011


Poesia do Palhaço


PALHAÇO ...

... PALHAÇO! ... Sou palhaço sim! E com muita honra.

Mas que mania as pessoas teem de chamar os outros de palhaço quando querem ofender? Deviam respeitar o nome de “palhaço”. Deviam saber que debaixo dessas roupas espalhafatosas e dessa pintura colorida existe um ser humano, que foi gerado no ventre de uma mulher e que leva o sublime nome de mãe.
PALHAÇO! Ser palhaço é algo maravilhoso. É a satisfação de ter recebido de Deus: Dom de fazer os outros sorrirem. É uma missão que aceitamos sem restrições. Fazer sorrir, mesmo que as adversidades da vida nos atinjam sem compaixão. Fazer sorrir, quando temos o coração sangrando pela perda de um ente querido. Esconder as lágrimas sob a máscara desse eterno sorriso.
Não é fácil senhores, não é fácil, mas é gratificante. Ao ouvir as gargalhadas espontâneas de uma criança a gente esquece de tudo, até mesmo a dor. O aplauso do público é como a bola propulsora que nos impulsiona através dos obstáculos.
Eu já vivi duas vidas e já morri muito mais. As vezes que amei... perdi a conta. Já fui filósofo, cheio de sabedoria. Já fui criança, cheio de sonhos. Já morei em suntuosos castelos e já vivi embaixo de viadutos. Ajudei a crucificar o Cristo e fui o próprio Cristo.
Esta é a vida do artista: a busca constante de novas personalidades. Mas jamais! Jamais esquecendo a sua própria identidade. Quem me dera! Quem me dera morrer diante de uma imensa plateia aplaudindo de pé o meu momento final. Mas não seria uma morte triste, sangrenta, como aquelas tragédias gregas ou Shakesperianas. Seria uma morte suave. E eu, vestindo a minha colorida roupa de palhaço.
Sou palhaço sim! E hei de seguir a minha missão até o final. Quem sabe, se depois que tudo terminar, uma infinidade de anjos gargalhando me levem até a presença de Deus, onde eu possa dizer: Obrigado Senhor! Obrigado por ter me feito nascer, viver e morrer como PALHAÇO!



- Teatro Biriba - Poesia do Palhaço, texto declamado por Biriba e postado no youtube , http://www.youtube.com/watch?v=HZRy1LWrASE